Especialista prevê crise hídrica progressiva se política ambiental não mudar

Escassez de chuvas que não era vista há décadas faz represas reduzirem volume, embora Sabesp afaste risco de desabastecimento. (Foto: Banco de Imagens)

A professora e bióloga da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Marta Marcondes, avalia que o País não aprendeu nada com as últimas crises hídricas e continua com uma política falha em relação ao meio ambiente o que agrava a cada ano a capacidade de produção de água dos reservatórios que abastecem as cidades. No ABC, os sistemas que abastecem os sete municípios estão seriamente prejudicados por conta da ocupação dos mananciais e do constante desmatamento. A falta de chuva deste ano, considerada a pior das últimas décadas, só agravou um problema já conhecido. Apesar do cenário, a Sabesp, estatal responsável pela captação e tratamento da água, além da distribuição em seis das sete cidades, garante que não há risco de racionamento.

Marta considera essa seca uma tragédia anunciada há décadas. “A estiagem que estamos vivendo é uma coisa que já faz parte das mudanças climáticas globais, mas que poderia ter sido amenizada com uma gestão integrada dos mananciais. O desmatamento, as queimadas que avançam desde o ano passado, juntamente com o avanço do agronegócio que é amparado no discurso de que se precisa produzir alimentos, são os fatores principais. Mas estudos da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) mostraram que o que já se tem desmatado é mais que suficiente para a produção de alimentos para o país e boa parte do mundo”.

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De acordo com a professora, também coordenadora do Programa Índices de Poluentes Hídricos da USCS (IPH-USCS), na Região Metropolitana de São Paulo como no ABC o desmatamento avança com os empreendimentos imobiliários. Para Marta, as legislações avançaram, mas não a fiscalização e os incentivos. “As leis específicas da Billings e da Guarapiranga não são cumpridas. Não foi feito nada para recuperar os mananciais, agora, quando precisamos das árvores para produzir água, não tem. Quando se recupera uma vegetação as nascentes voltam, mas isso depende da gestão pública e da sociedade civil. No ABC, no nosso maior reservatório, a Represa Billings, o braço do Rio Grande, de onde é captada a água para a maior parte da região, a situação nacional se repete. Ali temos muito assoreamento resultado de intervenções recentes. Já perdemos 800 metros de margem e mais de dois metros de profundidade. O sistema Cantareira, que fornece água para São Caetano, depende do Sistema Paiva Castro que é abastecido pela reserva do Juqueri que queimou quase toda”, aponta.

Marta Marcondes é bióloga, ambientalista e professora na USCS. (Foto: Rede Social)

“Vamos entrar em uma crise de abastecimento sem fim, se algo não for feito. Tivemos as crises dos anos 1990, a de 2001 a de 2014 e não aprendemos nada com isso. Se não protegermos essas áreas corremos o risco de ficarmos com cada vez menos água e de péssima qualidade. O governo vai gastar cada vez mais para fazer o tratamento e buscar água cada vez mais longe”, diz.

Sabesp

A Sabesp diz que não há motivos para soar o alarme da seca e deflagrar o racionamento de água. De acordo com a companhia os níveis atuais dos reservatórios garantem o abastecimento ao menos para este ano. “A Sabesp informa que não há risco de desabastecimento neste momento na Região Metropolitana de São Paulo, mas reforça a necessidade do uso consciente da água. Neste momento de estiagem, a queda no nível das represas é esperada e a projeção da Sabesp aponta níveis satisfatórios para os próximos meses, até 2022. Em 25/08, o Sistema Integrado opera com 43,8% da capacidade, nível similar aos 45,4% no mesmo dia de 2018, quando não houve problemas no abastecimento. O nível de alerta ocorre, segundo as regras da outorga, quando o Sistema Cantareira registra nível abaixo de 40% no último dia do mês e vale para o mês seguinte. Com isso, o limite máximo de retirada do reservatório passa de 31 m³/s para 27 m³/s. A Sabesp esclarece que a retirada atual já tem sido inferior: 23 m³/s. Medidas adicionais às que já são realizadas serão adotadas se necessário, levando em consideração as projeções da Companhia e todo o trabalho de acompanhamento da situação que visa a assegurar o abastecimento da população”, informa em nota.

Quando a Sabesp fala de sistema integrado se refere à interligação entre os sistemas para garantir o abastecimento uniforme das cidades. “O sistema de abastecimento que atende as cidades da RMSP é integrado e composto por sete mananciais (Alto Tietê, Cantareira, Cotia, Guarapiranga, Rio Claro, Rio Grande e São Lourenço), o que permite transferências de água rotineiras entre regiões de acordo com a necessidade operacional, dando mais segurança ao abastecimento”, explica a companhia. O Sistema Rio Grande abastece parte de Santo André, São Bernardo e Diadema; o Rio Claro, também atende parte da população andreense; o Alto Tietê abastece Mauá e também um trecho de Santo André; São Caetano é abastecido pelo sistema Cantareira e as cidades de Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires recebem água captada no Ribeirão da Estiva.

Lixo e assoreamento compromete capacidade dos reservatórios que atendem a região. (Foto: Banco de Imagens)

A companhia sustenta que vem realização obras interligando reservatórios e relata ainda investimento alto no combate às perdas por vazamentos e ligações clandestinas. A Sabesp realiza desde 2009 programa para reduzir perdas por meio da troca de ramais e hidrômetros, inspeção das tubulações para identificar vazamentos e fraudes e no aumento da eficiência operacional do sistema. Esta atuação refletiu-se na queda do índice de perdas totais em sua área atendida de 41% em 2004 para 27% em 2020, abaixo da média nacional: 39,2% (SNIS; 2019). Do índice total, 17,4 pontos percentuais são os vazamentos na rede, situação semelhante à do Reino Unido, por exemplo. Foi investido R$ 1,05 bilhão no programa em 2020. Em 2021, a previsão é de R$ 820 milhões”, diz a estatal em nota.

Saesa

O Saesa (Serviço de Água, Esgoto e Saneamento Ambiental) de São Caetano, a única autarquia municipal da região na distribuição de água, admite a situação preocupante decorrente da estiagem e afirma ter adotado ações preventivas e campanhas educativas. Só na cidade são 38 mil ligações.

Entre as ações estão a substituição de hidrômetros com mais de cinco anos de uso, troca dos cavaletes e tubulações de ferro por outras de PVC e setorização da cidade com divisão por válvulas de pressão. A autarquia também diz ter intensificado o serviço de caça-vazamentos. O Saesa também informa que faz campanhas em redes sociais e por materiais impressos faltando sobre o consumo consciente. “Além disso, desenvolvemos campanhas em parceria com a Secretaria de Educação, que são destinadas aos alunos das redes pública e particular da cidade”, diz.

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