
O trabalho dos conselheiros de saúde é quase um sacerdócio, o trabalho é voluntário, muitas vezes não reconhecido, e eles ainda se submetem a riscos, principalmente durante a pandemia, em que as demandas do setor aumentaram e o risco ficou ainda maior. Nesta reportagem o RD tenta mostrar como é a rotina de trabalho dos conselheiros e as dificuldades de realizar as ações de fiscalização.
Os conselhos de saúde têm formação tripartite, ou seja, formados por três tipos de representantes, os conselheiros eleitos pela população, os que são eleitos pelos trabalhadores, no caso trabalhadores da saúde, e os conselheiros que representam o governo. Em geral os conselheiros se reúnem uma vez por mês com pautas pré-definidas, mas também podem ocorrer reuniões extraordinárias para temas urgentes. Um dos papéis importantes do conselho é a análise da prestação de contas da pasta da saúde, outra, e talvez a mais visível e a menos prestigiada, é a função de verificar as condições das unidades de saúde, quanto ao atendimento, condições de funcionamento e abastecimento de insumos.
Antonio Carlos Soares é conselheiro de saúde em Mauá e foi eleito pela comunidade e já faz esse trabalho há cinco anos. “Parece que a gente nunca é ouvido”, desabafa o conselheiro logo no início da entrevista. “A gente só responde sobre as contas, parece que precisam da gente só para aprovar o gasto da saúde. Aí vamos nos hospitais, UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde), onde apontamos a falta de segurança, falta de medicamentos, falta médicos, mas não nos ouvem. Para falar com a secretária do prefeito é uma dificuldade enorme. Se nós somos conselheiros o prefeito tem que nos dar satisfação também”, conta.
Com 62 anos de idade Soares diz que por conta da falta de segurança em relação à covid-19, está evitando fazer visitas às unidades, e tenta fazer os encaminhamentos e atender aos pedidos que chegam da comunidade, sem ir pessoalmente aos locais. “A gente corre atrás de internações, cirurgias, na tentativa de transferir pacientes, mas eu não vou me arriscar. Somos importantes para a saúde, entendo que somos linha de frente também, mas não estamos como prioridade na vacinação, não nos dão nem EPIs para trabalha. A gente só quer o respeito para fazer o nosso trabalho”, conclui o conselheiro de Mauá.
Marta Aparecida Vasconcelos Baptista, é enfermeira e conselheira de saúde em Santo André. Ela conta que o serviço de saúde está sobrecarregado por conta da covid-19, além disso os profissionais sofrem com a jornada de trabalho, o medo de se contaminar e no ano passado ficaram sem férias também. “A gente vê as necessidades dos funcionários. As pessoas estão em pânico, já vêm de casa estressadas e descarregam no trabalhador”, comenta a servidora que representa os trabalhadores no conselho de saúde de Santo André.
A enfermeira trabalha há 41 anos na profissão, atua nos plantões noturnos da UBS do Jardim Santo André e ainda encara as demandas como conselheira e as reuniões mensais do grupo. Por conta dos seus horários ela diz que é difícil, mas ela consegue conciliar as tarefas. “Eu faço o que eu gosto”, comenta.
Para conselheira popular de Saúde de Diadema, Romildes Coelho da Silva, é representante da UBS Vila Conceição, mas também acumula a posição de presidente do conselho. Ela relata que os conselheiros precisam muito ser valorizados, que o trabalho é difícil e ficou ainda pior durante a pandemia. Como se trata de um trabalho voluntário a conselheira se divide entre sua atividade profissional – ela é diarista -, e o auxílio à comunidade que a procura. “Com a pandemia, não tenho ido muito às unidades de saúde, por fatores de risco, então passamos a tratar tudo pelo telefone ou por aplicativo de mensagem. Temos conseguido resolver quase todas as demandas, a menos que seja algo muito grave que demande a nossa presença, mas em geral a gente conversa com a direção da unidade e resolve”, explica.
A pandemia da covid-19 trouxe muito mais trabalho para os conselheiros, segundo relata Romildes, que é conselheira há 8 anos. “As pessoas que estão com algum sintoma ficam muito agitadas, vão em um lugar para tentar fazer um teste e não consegue, depois vai em outro, vai no Quarteirão da Saúde, no hospital. Em geral elas são atendidas, mas há todo esse estresse e a gente não pode deixar uma pessoa sintomática circulando por aí”, explica. Outro trabalho que tem sido constante é em relação a retirada de medicamentos, tanto os que a prefeitura fornece quanto aqueles de alto custo, que são fornecidos pelo Estado. “Muita gente que antes tinha convênio e agora veio para o serviço público não sabe como acessar o sistema, então a gente orienta, mesmo que seja para pegar remédio no Estado, a gente orienta também”, explica.
Com essa demanda crescente de pessoas que perderam o trabalho e tiveram que migrar para o serviço público de saúde, faz o telefone de Romildes disparar às vezes. A sorte é que as contratantes dela nas três casas onde trabalha como diarista sabem da atividade e compreendem a situação. “Quando o celular começa a receber um monte de mensagens eu priorizo as mais urgentes, as outras vamos resolvendo ao longo do dia, mas é cansativo, estressante não porque a gente se dispõe a ajudar”, relata.
Sobre a relação com o governo, Romildes que teve a maior parte da sua atuação na gestão do ex-prefeito Lauro Michels (PV), disse que nesta gestão – prefeito José de Filippi Júnior (PT) – sentiu uma sensível melhora no atendimento às demandas dos conselheiros. “Agora a gente se sente mais ouvido, antes até ouviam, mas as providências demoravam muito, hoje acontece mais rápido”, conclui. Em janeiro, logo nos primeiros dias de governo a secretária de Saúde, Rejane Calixto, chamou as conselheiras da cidade para uma reunião, justamente para tratar da nova forma de encaminhamento e da solução das demandas.
Mauá
Sobre os apontamentos do conselheiro de saúde de Mauá, a prefeitura esclarece que as demandas que chegam através dos conselheiros são analisadas e nega falta de diálogo. “As demandas ocorrem na reunião do Conselho Municipal de Saúde e muitas das vezes presencialmente. As demandas são coletadas na reunião e se forem de urgência são encaminhadas diretamente para o setor responsável e a secretaria da Saúde monitora o tempo de resposta. A administração municipal tem diálogo frequente com os conselheiros. Além disso, temos os fóruns ordinários e extraordinários de reuniões, a fim de atender as demandas dos conselheiros”, sustenta a administração em nota.
Sobre o não fornecimento de EPIs aos conselheiros a prefeitura de Mauá sustenta que as visitas aos equipamentos não são recomendadas neste momento de pandemia. “ A orientação nesse período de pandemia é evitar ao máximo a circulação das pessoas, além do estritamente urgente. Por isso as reuniões continuam sendo virtuais e não recomendamos as visitas aos serviços e equipamentos neste período, preservando a saúde de todas e todos”.
Sobre a falta de médicos e remédios, apontada pelo conselheiro, a prefeitura disse que já tomou providências. “Referente à falta de médicos, realizamos processo seletivo para contratação, buscando equacionar a defasagem destes profissionais. Foi realizado processo de compra emergencial de medicamentos inicialmente, para suprir a demanda imediata, até que os trâmites processuais de compra sejam concluídos, garantindo assim o abastecimento e o atendimento à população”, respondeu a administração.