Um levantamento feito pelo advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves, com base nos dados do Disque 100 (Direitos Humanos) e Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher) mostra que mesmo com o isolamento social por conta do novo coronavírus, o número de denúncias que chega até esses serviços de atendimento continua alto. De janeiro até 16/04 foram 43.287 denúncias, sendo 5.916 só no período de quarentena. O estado de São Paulo lidera com 1.673, ou 28,27% de todas as denúncias. O risco de morte aparece em 663 casos e nesta sexta-feira (17/04) foi registrado mais um destes casos, quando um homem, inconformado com o fim do relacionamento, matou a antiga companheira no Jardim Campo Verde, em Mauá, e depois se matou.
No início da tarde desta sexta-feira, uma doméstica de 31 anos foi morta pelo ex-companheiro, de 34 anos, em uma viela no Jardim Campo Verde, em Mauá. O filho do casal também ficou ferido. Segundo informou a Secretaria de Segurança Pública o autor do crime, ex-companheiro da vítima e pai da criança, chegou ao local armado e, após uma discussão, disparou contra a mulher e atirou em si mesmo. A criança foi atingida de raspão por um dos tiros. A arma de fogo e o celular do homem foram apreendidos e encaminhados para perícia. Foram solicitados exames periciais e o caso foi registrado pelo 2º DP de Mauá. Câmeras de segurança flagraram o momento do crime.
Para o conselheiro do Condepe o isolamento é um fator que tem contribuído para a ocorrência desrespeito aos direitos humanos e de casos de violência doméstica. “Geralmente são agressores ou possíveis agressores que acabam aproveitando o momento que as vítimas estão mais vulneráveis por necessidades financeiras e porque estão mais tempo próximos dentro das casas”, analisa.
Outro fator, que segundo Alves é motivo de tantas denúncias e ocorrências violentas é o regime diferenciado de atendimento nas delegacias e órgãos de proteção. “Esses agressores ainda acabam tendo sensação de impunidade já que os órgãos de investigação e proteção estão funcionando parcialmente, em plantões. Existe uma dificuldade maior das pessoas acessarem os órgãos de enfrentamento às violações nesse período”, comenta.
Outra análise que pode ser feita é que os números revelam que o agressor é, em geral, conhecido das vítimas, o que mostra que muitos são casos característicos de violência doméstica. “Como os dados mostram que em boa parte dos casos o agressor conhece e tem relação com a vítima, isto indica que podem ser casos de violência doméstica. Outra parte significativa dos números demonstram que o agressor tem poder sobre as vítimas, na grande maioria dos casos por ser da família. A maioria das vítimas são mulheres, idosos e crianças, outros indicadores de violência doméstica”, sustenta Ariel de Castro Alves.
Cerca de 70% dos casos de agressões, negligências e abusos contra crianças e adolescentes ocorrem dentro das residências e são cometidos por familiares, segundo o relato do advogado que se dedica a esse tema. “Quem deveria proteger, acaba sendo o agressor”, completa.
Posturas políticas também influenciam os números da violência doméstica, de acordo com o conselheiro do Condepe. “A flexibilização do uso de armas de fogo encoraja os agressores, principalmente para os crimes de ameaça, lesões corporais ou até homicídios. O discurso machista também. E pregações “religiosas”, da Ministra Damares, que já defendeu que a mulher deve se submeter ao homem. Além do governo defender que a escola não deve tratar de assuntos de cidadania, direitos humanos e sexualidade. E que a família é sempre soberana. Um recado, nas entrelinhas, de que os pais e responsáveis podem tudo com relação as crianças, inclusive cometerem violência e outras violações”, aponta.

Alves sugere que polícia e órgãos de proteção de mulheres, crianças e idosos, devem buscar formas de atender as denúncias usando novos sistemas, como mensagens de SMS, whatsapp, vídeo chamada ou aplicativos, mas a comunidade também deve continuar denunciando. “A comunidade precisa ser menos conivente. Todos devem estar mais atentos diante de possíveis situações de violência”, diz o advogado, que considera o arcabouço legal suficiente para coibir os crimes. “Leis, crimes e penas já existem no código penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do idoso e legislação de proteção de pessoa com deficiência. Falta aplicação, com delegacias especializadas da criança e adolescente, que em SP não existem, e melhor estrutura para delegacias do idoso e para as DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher)”, destaca.
A reivindicação de melhor estrutura é antiga. “Desde o governo Alckmin, temos reivindicado delegacias especializadas da criança e adolescente, mas o governo sempre justificou que não tem orçamento. No período atual todos os esforços e recursos serão voltados à saúde, o que é compreensível, mas o estado não pode deixar de estar atento às violências e violações e as prefeituras precisam criar centros de referência para atendimentos as vítimas de violências”, diz Alves que sustentou ainda que o sistema do ministério deveria informar as providências sobre os casos. “Não adianta receber e computar denúncias sem que sejam tomadas providências”, finaliza.
O RD procurou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, para que se manifestasse sobre os questionamentos do conselheiro do Condepe, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta.