Quando no dia 5 de novembro de 2015 a barragem de Fundão se rompeu em Mariana, Minas Gerais, milhares de pessoas tiveram casas destruídas, vidas mudadas e entraram para um triste capítulo da história do Brasil. Ainda há muitos relatos sobre como o desastre daquele dia mudou a vida de tanta gente e 10 dessas histórias são performadas na peça Hotel Mariana, apresentada, gratuitamente, nesta sexta-feira (6), no Cecape (Centro de Capacitação de Profissionais da Educação), em São Caetano.
Um conjunto de coincidências levou Munir Pedrosa, dramaturgo, produtor e ator; e Herbert Bianchi, diretor e dramaturgo, a transformarem a tragédia em arte. Quando a lama invadiu Mariana, ambos finalizavam as aulas do curso de verbatim, técnica teatral que consiste em transformar relatos reais em cena. Dez dias depois do ocorrido, Pedrosa decidiu que iria à Mariana para entender o que acontecia e conhecer os atingidos. Após duas semanas de estadia e 40 relatos colhidos, a dupla montou o áudio no qual os atores em cena se baseiam para mostrar ao público uma visão interna do desastre. “Nessa peça, os atores não trabalham com texto. Eles têm o áudio, que escutam durante a peça e encenam para o público. Isso dá um caráter de realismo maior”, afirma Bianchi.
A decisão de não acrescentar nenhuma camada a mais de dramaticidade na narrativa vem da necessidade que o espetáculo tem de ser direto e impactar as pessoas com histórias reais, que não apareceram com tanta relevância na cobertura midiática. O nome foi escolhido em razão dos inúmeros desabrigados que ainda aguardavam por respostas e soluções em hotéis e pousadas quando Munir retornou à cidade em 2017. “Os atores em cena contam essas histórias, como se todos ali fossem sobreviventes hospedados no mesmo hotel”, explica o dramaturgo.
Com a dinâmica próxima à realidade, a reação do público foi correspondente ao grau de comoção com a tragédia nacional. Segundo Bianchi, ao final de cada apresentação, é possível ver pessoas indignadas, questionadoras e que querem buscar maneiras de ajudar as vítimas. Em janeiro deste ano, quando desastre semelhante aconteceu em Brumadinho, também em Minas Gerais, a peça estava em cartaz e a reação do público foi ainda maior. Diante do novo acidente, a Cia. da Palavra, responsável por Hotel Mariana, se reuniu e discutiu os rumos da apresentação. A decisão foi manter o trabalho, na abordagem e questionamentos. “Mais do que só sobre Mariana, o espetáculo fala sobre todo um sistema e desperta esse questionamento”, completa.
Realidade em cena
Partidário da ideia de trazer temas e personagens reais para o palco, Bianchi afirma que o impacto da temática não se dirige apenas ao público, mas também aos criadores, que têm a vida e percepção de mundo ampliados com a troca que a arte permite. “Eu sempre saio com a impressão de que não sabia nada sobre o assunto. Esse tipo de relato modifica você completamente. É diferente de apenas ler algo, promove um alargamento de visão que não tem como retroceder”, finaliza.
Com classificação indicada para maiores de 14 anos, Hotel Mariana foi a primeira peça de teatro verbatim indicada ao Prêmio Shell de Teatro de 2017 na categoria Melhor Dramaturgia. A atração é gratuita e os ingressos devem ser retirados uma hora antes do início da apresentação, com limite de quatro unidades por pessoa.
Hotel Mariana
Sexta-feira, 6 de setembro, às 20h, no Cecape, rua Tapajós, 300, bairro Barcelona, São Caetano