A região ainda não enxerga a bicicleta como meio de transporte e são pouquíssimas alternativas de ciclovias ou ciclofaixas para que o trabalhador deixe o carro em casa e, com isso, reduza custos, poluição e alivie o trânsito. A maioria dos espaços destinados às bikes tem apenas foco no lazer. As prefeituras salientam que estudam investir na integração das ciclovias com outros modais, mas até o momento não há nada concreto. Também falta interesse das empresas em trazer para o ABC as bikes para locação por aplicativos e patinetes elétricos. Apesar do cenário, a população local diz que trocaria o carro ou o ônibus pela ‘magrela’ caso houvesse uma rede de ciclovias viável.
O Consórcio Intermunicipal previu a execução de uma rede de ciclovias há sete anos, mas a ideia não evoluiu. “O estudo mostra que, em média, 41% dos deslocamentos na região, que incluem pedestres, são não motorizados. O plano de mobilidade aponta que dentro das demandas constavam redes cicloviárias integradas, infraestrutura para estacionamento e bicicletário, além de outras ações. No entanto, as intervenções para as obras são de cada município”, explicou o colegiado de prefeitos em nota. Nem quando o assunto é lazer, houve interesse. “Foi lançado em junho de 2013 edital de captação de patrocínio para a implantação de 52,2 km ciclofaixas de lazer com percursos nas sete cidades da região. O processo, no entanto, resultou deserto, nenhuma empresa se mostrou interessada em patrocinar a proposta regional”.
Para o professor e urbanista Enio Moro Junior, da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) propostas de investimentos cicloviários são essenciais. “As cidades têm de integrar vários tipos de modais para garantir a circulação. Chicago, por exemplo, adotou o critério de tempo, não importa por qual modal, mas o cidadão não pode demorar mais que o tempo determinado para ir de um ponto a outro”, comenta.
Moro Júnior também citou Medellin, na Colômbia. “Lá o PIB é de US$ 30 bilhões e no ABC é de US$ 110 bilhões, mas na cidade colombiana existe uma mega rede de mobilidade, com VLT (veículo leve sobre trilhos), VLP (veículo leve sobre pneus), teleférico, e tudo integrado por ciclovias. O ABC não tem nada disso. Todos os planos de mobilidade das cidades citam o investimento em ciclovias e a articulação dos modais de transporte, mas nada foi feito. Os governantes têm de se conscientizar e romper com a visão de que o carro é a melhor solução. Da forma como está, a tendência é de colapso mesmo”, afirma.
Elétricos
Enquanto não há ampliação da malha cicloviária, empresas que disputam o direito de explorar comercialmente a locação de bicicletas e patinetes elétricos na Capital, sequer consideram o ABC. A Grow, dona das marcas de patinetes e bicicletas compartilhadas Grin e Yellow, informa que ainda não tem planos para a região. “A Grow precisa garantir que as áreas atendidas possuam a densidade necessária para uma operação saudável. A empresa realiza estudos constantes para determinar a quantidade de equipamentos em cada área de cobertura e também analisa os impactos de novas áreas em sua operação”, informa.
São Caetano foi a única cidade a informar que tem legislação pronta para o uso de bikes e patinetes de aplicativos. “A Prefeitura regulamenta a exploração de serviço de compartilhamento de modais ativos ou elétricos de transporte individual (bicicleta ou patinetes), através da lei 5166/19. A lei já está na Semob (Secretaria de Mobilidade Urbana), responsável por credenciar as OTMAs (operadoras de tecnologia para modos ativos) para gerenciar o serviço”.
Prefeituras focam no lazer
As prefeituras não investiram na integração de modais de transporte ao considerar a bicicleta como parte dos sistemas, salvo poucas exceções. A maior parte dos corredores de pedalar na região é ciclofaixa de lazer, funcionam aos domingos e feriados ou ficam em parques tradicionais ou lineares, sem a função de modal de transporte. É o caso de Ribeirão Pires que informa ter apenas uma ciclofaixa de 2,5 km de extensão. Em nota, a Prefeitura diz que incentiva o uso de bicicletas, mas o município não tem espaços adequados nas ruas.
Em São Caetano, as vias para bikes são voltadas ao lazer. Tem uma ciclovia de 2,4 km (ida e volta) na avenida Presidente Kennedy, no bairro Santa Maria, com funcionamento diário; e uma ciclofaixa de 14 km (ida e volta) nas avenidas Tijucussu, Kennedy, Goiás, Guido Aliberti, Nelson Braido. Há projeto para construção de modal cicloviário, mas ainda em fase de captação de recursos.
Mauá tem uma ciclovia na Papa João XXIII, em Sertãozinho, com cerca de 2,5 km e outra na avenida Armando Salles de Oliveira, no Parque São Vicente, com cerca de 1 km. Na cidade há uma certa integração entre as bicicletas e outros modais. “Não há uma contagem do número dos ciclistas, entretanto é sabido que o bicicletário ao lado da estação Mauá da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) possui cerca de 1,7 mil usuários/dia”, informa a administração.
Santo André é a cidade com mais espaços para pedalar, são oito ciclovias – viaduto Salvador Avamileno e acessos; avenidas Waldemar Matei, Lauro Gomes e Adriático; Estrada do Pedroso; área entre a UFABC e a CPTM; duas pistas internas nos parques do Pedroso e Central; duas ciclofaixas na avenida das Nações e Ligação Pedroso – Estação; e uma ciclofaixa de lazer na avenida Perimetral, total de 28 km. A Prefeitura informa ter plano cicloviário que aponta as linhas de desejo para a implantação de ciclovias. “Ele será revisado quando da elaboração do PlanMob – Plano de Mobilidade Urbana, previsto para 2020”.
São Bernardo planeja a integração dos modais com a bicicleta. Possui quatro ciclovias, nas avenidas Kennedy, João Firmino, Pery Ronchetti e Nelson Mandela, totalizando 3,8 km de percurso. Também se encontra em implantação a ciclovia na Estrada do Alvarenga, com 3,4 km. “Todas estão localizadas em vias estratégicas ou paralelas a corredores de ônibus. Há ainda em andamento projeto de interligação por ciclovia das avenidas Barão de Mauá e Kennedy, na região central. A previsão de conclusão da obra é novembro. Quanto às ciclofaixas, a cidade totaliza 1,22 km de percurso, sendo 720 metros na avenida Presidente João Café Filho e 520 metros de lazer na rua José, no Riacho Grande”, informa. Diadema não tem ciclofaixas nem ciclovias. A Assessoria de Imprensa do município informa que a Secretaria de Transportes realiza estudos de viabilidade com base na pesquisa Fipe. Rio Grande da Serra não informou.
Moradores trocariam ônibus e carro por bikes
Quem usa a bicicleta diariamente é inspiração para aqueles que olham da janela do carro ou do ônibus verem as magrelas seguirem sem parar no congestionamento. É o caso do gestor de hortifruti Rafael Sousa Rocha, de 31 anos, que há um mês trocou o ônibus pela bicicleta e todos os dias usa a ciclovia da avenida Pery Ronchetti, em São Bernardo. Antes, perdia 40 minutos no ônibus e hoje faz o mesmo percurso em 25 minutos. Sorridente, Rocha diz que o vale transporte que recebe ajuda a esposa nos deslocamentos e cita também os benefícios na qualidade de vida. “Chego mais cedo no trabalho e também mais disposto”, conta.
Quem ainda não tomou a decisão questiona a falta de segurança e o risco de acidentes. O técnico de edições, Alécio Cruz, de 37 anos, diz que iria para o trabalho de bicicleta caso Diadema implantasse corredores exclusivos para ciclistas. Cruz pega dois ônibus para ir ao trabalho e gasta 50 minutos no trajeto. De bike, avalia que o tempo seria o mesmo, mas diz que o ganho seria no bolso e na saúde. “Já tentei ir de bike, mas é muito perigoso, já vi alguns acidentes, por isso desisti”´, afirma.
Há também quem já havia se rendido à bicicleta, mas voltou atrás, também, pela falta de infraestrutura das vias. Em Ribeirão Pires, além da falta de ciclovia, problemas de zeladoria fizeram com que o auxiliar de administração Carlos Augusto Saes Neto, 22, deixasse de ir trabalhar de bicicleta. A via e a calçada da rua Manoel Simões, onde trabalha, está tomada por buracos e mato, o que dificulta o tráfego de pedestres e ciclistas. “Principalmente nos dias de chuva, fica impossível chegar lá, até mesmo a pé eu já caí várias vezes”, conta.
Para suprir as necessidades, Neto investiu R$ 9 mil na compra do veículo e conta que, por semana, desembolsa outros R$ 40 de combustível para ir trabalhar. “Se arrumassem a rua e fizessem uma ciclovia decente, que ligasse o centro aos bairros, não precisaria me comprometer com esses gastos”, acrescenta.
Usuários de bicicleta apontam economia
Os moradores do ABC trocariam o carro e o ônibus pela bicicleta para fazer o trajeto entre casa e o trabalho caso houvesse uma rede de ciclovias interligadas entre si e outros modais. Quem já trocou não se arrependeu, ganhou em tempo, economia e em saúde, além de contribuir para o meio ambiente.
Usuário da ciclovia da avenida Pery Ronchetti, em São Bernardo, o ajudante Vinícius de Souza, de 18 anos, diz que faz o trajeto todo dia para ir e voltar do trabalho. Antes, ia de casa até o Centro de moto, mas resolveu aproveitar a nova ciclovia e economizar dinheiro. “É muito boa, bem sinalizada e o piso é lisinho, o problema é o tráfego de pedestres na via. Tem de tomar cuidado”, apontou o jovem.
O mesmo problema foi citado pelo ajudante Wesley Afonso, que faz um trajeto longo entre sua casa, em Santo André, e Rudge Ramos, em São Bernardo, onde trabalha em um lava-rápido. “Economizo R$ 500 de condução por mês. A empresa só pagava uma passagem e preciso de duas, uma saia do meu bolso”, diz. Afonso trafega pela ciclovia Ligação Pedroso – Estação, em Santo André, mas depois do Centro andreense tem de seguir o trajeto no meio dos carros. “Eu já caí na ciclovia, porque um pedestre atravessou na minha frente para pegar o ônibus, freei, mas acabei indo para o chão, nada sério”, comenta.