Ter uma moradia digna é um direito constitucional de todo brasileiro, mas a prerrogativa está distante de ser realidade. No ABC, a produção de moradia popular segue em ritmo lento, pela falta de investimentos e por burocracia. A região contabiliza 803,6 mil residências, mas 183,7 mil estão em 707 assentamentos irregulares, ou seja, 22,86% dos domicílios estão sem escritura de posse e grande parte desprovida de infraestrutura urbana. Já deficit habitacional é de 230 mil famílias.
Os dados são do estudo da UFABC (Universidade Federal do ABC) em parceria com o Consórcio Intermunicipal, realizado entre maio de 2015 a julho de 2016. No entanto, o número apresentado está subestimado, pois o grupo segue com trabalho em Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, onde os governos têm carência de dados no setor habitacional.
Dentro do deficit habitacional, 100,3 mil moradias precisam ser construídas e por essa razão se enquadram como deficit quantitativo, enquanto 129,7 mil precisam de infraestrutura urbana, como asfaltamento de vias públicas, água, esgoto, destinação de lixo, energia e outros serviços básicos à população, sendo classificado como deficit qualitativo (veja a tabela).
Para a professora da UFABC e coordenadora executiva do diagnóstico habitacional no ABC, Luciana Ferrara, os números apresentados são graves, embora não muito diferentes da realidade de outras grandes cidades no Brasil, onde há concentração de população de baixa renda somada à carência de políticas sociais.
“Há necessidade de continuidade dos projetos de urbanização e construção de unidades (habitacionais). E há necessidade de prosseguimento das linhas de financiamento governo federal aos municípios para que os projetos habitacionais não sejam interrompidos. Além disso, o investimento das cidades em recursos ou destinação de terreno, que é uma parte importante para solução”, aponta a docente.
Retrato da carência
Palco de uma tragédia provocada por um deslizamento que matou quatro pessoas e desalojou centenas de moradores na madrugada de 11 de janeiro de 2011, o morro do Macuco, em Mauá, é um retrato fiel da carência habitacional no ABC. Faltam moradia digna, urbanização e regularização fundiária. Passados seis anos desde o triste episódio, praticamente nada mudou e ainda há munícipes vivendo em situação de risco.
Há quase quatro décadas na região, o desempregado Francisco Fernandes, 49 anos, ainda espera por condições dignas de moradia e pela documentação de posse de sua casa. “O pessoal fala em fazer a regularização (do assentamento), faz cadastros e nada saiu até agora. Isso sempre passa insegurança”, descreve.
O segurança Severino Nascimento, 50 anos, reclama da falta de infraestrutura urbana no local. Ao lado da equipe do Repórter Diário, o segurança apontou para um muro do córrego a céu aberto, em vias de ceder e desmoronar parte da rua Prefeito Dorival Resende da Silva. O morador também lembra do risco de crianças se machucarem, além da ameaça de doenças por conta da dengue e acúmulo de ratos no local.
“Faz uma análise do quanto a Prefeitura perde de recursos aqui. Há gente que não paga IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Todos saem perdendo, a Prefeitura que não arrecada e os moradores que ficam abandonados e sem força para cobrar os políticos. Mas eles somente vêm aqui em época de eleição”, completa Severino, já em tom descrente de que testemunhará uma mudança nas condições do Macuco (foto).
Prefeituras relatam dificuldades no setor habitacional
Procurado pelo RD, o governo do prefeito de Mauá, Atila Jacomussi (PSB), informa que projetos de regularização fundiária no assentamento do Chafic e Macuco estão em fase de licitação e de assessorias técnicas. Na gestão do antecessor Donisete Braga (PT), em 2013, houve a assinatura de contrato junto à Caixa Econômica Federal prevendo R$ 79 milhões regulamentação da área.
A Prefeitura de Mauá completa que mais de 100 famílias no Jardim Oratório receberam a documentação de posse de seus imóveis, enquanto analisa a inclusão de moradores do Jardim Cerqueira Leite em programa de moradia. O Paço diz que está em processo licitatório a construção de 800 unidades habitacionais, pelo programa Minha Casa Minha Vida, para atender famílias em áreas de risco.
Em Santo André, o governo do prefeito Paulo Serra (PSDB) garante que a carência por moradia é de 31,3 mil, inclusos 10,3 mil domicílios em assentamentos precários e 21 mil compostos pela soma das seguintes condições: coabitação familiar, edificação em áreas de mananciais e ônus excessivo de aluguel.
Desde o começo do ano, a gestão andreense despendeu somente R$ 238,4 mil, provenientes de recursos da Caixa Econômica Federal, referentes ao Conjunto Habitacional Catiguá, no Parque Erasmo Assunção. Já os investimentos para urbanização de áreas domiciliares em condições precárias somam R$ 615,9 mil em ações no Jardim Alzira Franco, Jardim Irene, Jardim Cristiane e Vila Homero Thon.
A gestão do prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), fala da necessidade de construir 26,5 mil novas casas e regularizar a escritura de outras 27 mil. Por ora, o governo prevê intervenções para construção habitacional e infraestrutura complementar visando beneficiar 5,3 mil famílias, e a urbanização de assentamentos para 9,1 mil residências.
Do Tesouro Municipal, a Prefeitura de São Bernardo não gastou um centavo sequer em produção habitacional e regularização fundiária, segundo o Portal da Transparência, desde o começo do ano, embora os programas tenham destinação orçamentária de R$ 35,2 milhões e R$ 10,4 milhões, respectivamente. Já a urbanização de assentamentos precários tem previstos R$ 207,6 milhões, mas foram aplicados apenas R$ 23,2 mil, ou seja, apenas 0,01% do total.
Única cidade 100% ocupada no ABC, São Caetano não apresenta assentamento irregular. No entanto, em vez de favelas, os problemas de moradia da cidade gerida pelo prefeito José Auricchio Júnior (PSDB) estão nos cortiços e na dificuldade de obter área para construção de unidades habitacionais. O Palácio da Cerâmica assegura que trabalha na elaboração de um Plano Municipal de Habitação.
O secretário de Obras e Habitação de São Caetano, Enio Moro Junior, atesta 200 famílias no deficit habitacional, e deste número, 18 unidades em situação de precariedade. “Nosso município possui somente 15 km² e é 100% ocupado. O preço médio do solo é muito alto, inviabilizando o ‘Minha Casa Minha Vida’ ou ainda outros tipos de programa. Esta situação nos move a buscar soluções alternativas”, diz.
Com 12,5 mil habitantes por km², Diadema é a segunda cidade de maior densidade demográfica do Brasil. Esse cenário implica em grandes desafios de programas habitacionais, regularização fundiária e urbanização de áreas precárias. No primeiro quadrimestre de 2017, o governo do prefeito Lauro Michels (PV) investiu R$ 2,6 milhões em obras e R$ 1,1 milhão no custeio do auxílio-moradia. Contudo, o Paço diademense enfatiza que todos os investimentos na área habitacional dependem de aporte financeiro dos governos estadual e federal.
As prefeituras de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não responderam ao RD.