ABC - terça-feira , 6 de maio de 2025

‘Belos Sonhos’ inaugura evento que terá mais de 300 filmes

Há menos de duas semanas – no domingo, 9 -, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Renata de Almeida disse que uma Mostra com homenagens a Marco Bellocchio e Andrzej Wajda só poderia ser política. O que ela não sabia é que, justamente naquele fim de semana, Wajda estava morrendo em Varsóvia, aos 90 anos. A homenagem da Mostra para ele virou póstuma. A de Bellocchio terá nesta quarta-feira, 19, o autor na tela, com a exibição de Fai Bei Sogni para convidados, no Auditório Ibirapuera, e, a partir de sexta, 21, na cidade, para múltiplas atividades. Bellocchio vem ministrar uma masterclass, participar de debate – com o crítico do Estado, Luiz Zanin Oricchio – e ainda vai apresentar as sessões de seus filmes no fim de semana.

Seus filmes, no plural. Porque a Mostra não exibe apenas o programa duplo formado pelo longa Belos Sonhos e o curta operístico Pagliacci/Palhaços. Promove a revisão também de clássicos como De Punhos Cerrados e A China Está Próxima, que marcaram a explosão de Bellocchio nos anos 1960, e segue mostrando uma fase mais recente, com obras como Bom-Dia Noite, Vencer e Irmãs Jamais, todos dos anos 2000. No total, 12 filmes. Grande Bellocchio. De todos os diretores de sua geração, ele não só é um sobrevivente como permanece guerreiro, fazendo um cinema crítico e contestador. Isso tem lhe valido não poucos dissabores. Há alguns anos, tentaram – alguns críticos menores – desautorizar sua obra, porque os filmes, em parceria com a Rai Cinema, sem a qual não existiria cinema italiano contemporâneo, o comprometeriam com Silvio Berlusconi.

Newsletter RD

Fai Bei Sogni, Tenha Belos Sonhos, ou somente Belos Sonhos. Bellocchio estreou seu longa em maio, na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, que também o homenageou. A apresentação, na abertura, foi um acontecimento. Belos Sonhos possui elementos de outros filmes do diretor. Algo da revolta de De Punhos Cerrados, ou o clima de O Sorriso de Minha Mãe, de 2002. Mas se destaca como talvez o filme mais emocional (emocionante?) de Bellocchio nos últimos anos. Pode ser que isso se deva ao fato de ser uma adaptação – do relato autobiográfico do jornalista Massimo Gramellini. Bellocchio se apropriou dessa história para fazer dela um relato pessoal. Seus temas estão todos presentes – famílias disfuncionais, carência materna. E a sua vontade – sempre – de dar um testemunho sobre a história da Itália.

O filme começa contando a história de um garoto e sua mãe. Ela morre, e há um segredo envolvendo essa morte, que vai ser desvendado ao longo da narrativa. Massimo cresce, vira homem. A Itália muda com ele. Bellocchio vale-se do futebol, de informações que passam pela TV. O fervor da massa torcedora do Torino em 1969, uma imagem de Raffaella Carrà dançando na TV. Toda a Itália vai abrindo seus segredos nesses detalhes. Vai ser uma belíssima abertura para a Mostra, que completa 40 anos. Nos próximos dias, e até 2 de novembro, serão apresentados 322 filmes de 50 países em 42 salas de 35 pontos de exibição pela cidade de São Paulo. Muitos filmes novos, inéditos, centenas deles. A competição de novos diretores. Os tesouros restaurados. As retrospectivas de Bellocchio, Wajda e William Friedkin, que também virá à cidade para uma masterclass.

Na sua 40.ª edição, a Mostra tem tanta história que se pode dar ao luxo de ser autorreferente. Em homenagem a Hector Babenco, exibe o longa de estreia do diretor, que venceu a 1.ª Mostra – Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia. Traz a íntegra do Decálogo, de Krzysztof Kieslowski. E, para acompanhar Elle, o novo e sensacional thriller de Paul Verhoeven, resgata um filme antigo de 1983, Quarto Homem. O cinéfilo já sabe. A Mostra é uma imensa festa de cinema. Mudou a forma de se ver cinema no Brasil. E mantém, na 40.ª edição, os conceitos estabelecidos por seu criador, Leon Cakoff, morto em 2011. Respeito à diversidade, uma aposta radical no novo. Você compra o ingresso, entra não importa em que sala. O filme vai valer a pena. E todos os programas serão precedidos pela vinheta criada a partir do cartaz desenhado por Marco Bellocchio. Wajda, ele. Os srs. Política, na Mostra também política.

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes