Em Cantagalo e São José do Rio Pardo, culto a Euclides

Pelas ruas estreitas de Cantagalo, cidade da região serrana do Rio de Janeiro, o nome Euclides da Cunha nunca passa despercebido. Filho mais ilustre do município de 20 mil habitantes, o escritor tem busto na praça central e dá nome a uma rua, ao principal colégio e a uma drogaria. O distrito onde ele nasceu, Santa Rita do Rio Negro, foi rebatizado em 1943 como Euclidelândia. O autor de Os Sertões também tem em sua homenagem a Casa Euclides da Cunha, que guarda, entre outras coisas, seu encéfalo.

“O cérebro do Euclides foi trazido para cá em 1983 graças a um esforço muito grande que fizemos junto à família”, conta Fany Pinheiro Teixeira Ibrahim, que dirigiu o museu por mais de três décadas. “A transferência para Cantagalo foi uma festa lindíssima, com o povo todo acompanhando.”

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O culto ao escritor é enraizado na população. Sua obra é ensinada em todas as escolas e trabalhada no colégio que leva seu nome desde as séries iniciais – o maternal é conhecido como Euclidinho. “O texto euclidiano é multidisciplinar. A gente consegue trabalhar em História, Geografia, Sociologia e Português e na educação ambiental para crianças”, explica Rick Azevedo da Cunha, coordenador pedagógico do colégio.

O escritor nasceu na Fazenda da Saudade, de café, que mais tarde daria lugar a uma indústria cimenteira. No centro de Euclidelândia, o comércio tem poucas casas e o maior movimento durante o dia é de adolescentes em bicicletas. O destaque é a singela e bem cuidada Igreja de Santa Rita, onde Euclides foi batizado, que fica diante da praça chamada, claro, Euclides da Cunha.

O entorno de Euclidelândia é sede de três grandes grupos cimenteiros. O Mauá ocupa terras da Fazenda da Saudade e, além da peregrinação de caminhões, costuma receber a visita de interessados no local onde Euclides nasceu. Um memorial foi construído na entrada da fábrica em 1996.

Mito

Em São José do Rio Pardo, no interior paulista, Euclides morou só três anos, mas é como se tivesse passado a vida toda. “Foi o tempo suficiente para ter um filho (Manuel Afonso), construir uma ponte, escrever sua obra-prima e conquistar o coração da cidade”, resume a diretora de Cultura, Lúcia Helena Vito. “Euclides da Cunha é mais rio-pardense que qualquer outro personagem de nossa história.”

Ao se mudar para a cidade, em 1898, Euclides havia retornado de Canudos e aceitou a obra da ponte de estrutura metálica alemã porque tinha participado do projeto da ponte anterior, que caiu numa enchente. Nas horas vagas, escrevia Os Sertões num pequeno barraco de madeira e zinco. A cabana resistiu à grande enchente de 1977, a prefeitos que a achavam feia e rústica e se mantém original, protegida por uma redoma de vidro. No mesmo espaço, à beira do rio, estão a herma doada pelo Estado em 1918 e o mausoléu com restos mortais de Euclides, exumados do Cemitério São João Batista, no Rio. Placa de bronze reproduz frase escrita por ele em 1908: “Que saudades do meu escritório de zinco e sarrafos, da margem do Rio Pardo”.

O vigia Paulo Henrique Moreira, de 42 anos, conta que a ponte foi reaberta em 2014, após bom tempo interditada. “Sei que o homem foi escritor, mas o que ele fez de melhor foi essa obra. Sem a ponte não sei o que seria de nós.” Ao ser informado de que Euclides nasceu no Rio, ele se surpreende: “Está brincando. Ele não é daqui?”

O fotógrafo João Moraes diz que a confusão é frequente. “A cidade tem outros fatos históricos importantes, mas Euclides da Cunha virou mito.”

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