
Entre 1964 e 1985 a Ditadura Militar no Brasil buscou eliminar seus opositores, tornando violento esse período da história do país. Milhares de pessoas foram torturadas durante o período e, se computados jovens pobres da periferia mortos em confronto com as polícias militares, negros, indígenas e estudantes, esse número chega à casa das dezenas de milhares. Mais de uma centena de pessoas ainda estão desaparecidas. No período foram criados centros de operações onde ocorriam as torturas. Nomes envolvidos nessas torturas, tanto militares como civis dão nome a ruas, avenidas e praças do ABC, mas ainda é pequena a movimentação para rebatizar esses logradouros públicos, diferente do que acontece na Capital. Em São Paulo a mudança começou pelo Elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, que foi rebatizado com o nome de Presidente João Goulart.
Apesar do reconhecimento deste período sombrio da história, inclusive com relatório da Comissão Nacional da Verdade, em 2014, as condenações são poucas. Em janeiro deste ano três delegados que serviram à ditadura foram condenados ao pagamento de R$ 1 milhão à sociedade brasileira. O trio foi condenado por pelo menos 27 casos de tortura e morte e segue em grau de recurso. Em 2008 o então coronel Brilhante Ustra, que faleceu em 2015, também foi condenado. A Comissão Nacional da Verdade listou 377 pessoas envolvidas em tortura e mortes no período da Ditadura Militar.
Uma das cidades mais jovens da região e conhecida por ser um reduto de esquerda, Diadema, também tem nome de avenida e praça em homenagem a integrantes da ditadura; a avenida Presidente Costa e Silva, no Jardim Casa Grande, e a Praça Castelo Branco no coração da cidade. Mas em outras cidades estes nomes também estão presentes. No Parque Capuava, em Santo André, tem outra rua que lembra o nome do presidente militar Arthur da Costa e Silva e ela segue até o limite com Mauá. Em Ribeirão Pires há duas vias que homenageiam o mesmo militar. O Jardim Zaíra, em Mauá também tem rua com nome de militar da ditadura, a avenida Presidente Castelo Branco.
Para o memorialista e escritor, Walter Adão Carreiro, essa prática foi corriqueira na região como também em outras partes do país. Ele diz que, enquanto se valorizou nomes da ditadura que nada fizeram de bom para as cidades, outros nomes importantes para a história local foram esquecidos. Carreiro é autor do livro “Diadema em cada esquina uma história” que conta a história do nome de todas as ruas do município e que é fruto de anos de pesquisa.
O escritor cita o exemplo da principal praça da cidade, que leva o nome do primeiro presidente do regime militar Humberto de Alencar Castelo Branco. Ele foi responsável pela criação do SNI (Serviço Nacional de Informações) que reunia dados dos que se opunham ao regime. “O que Castelo Branco tinha a ver com Diadema? Nada, ele nunca esteve por aqui. Porque não homenagearam a dona Maria Portuguesa, que era conhecida e dona de todas as terras onde está a praça Castelo Branco hoje? Como esse tem um monte de casos na região”, aponta.
“Em São Bernardo também temos o mesmo problema, as famílias de imigrantes italianos que chegaram à cidade e criaram o pólo moveleiro, não foram lembradas, como foram os presidentes Castelo Branco, Costa e Silva e Médici. Falta colocar a história das cidades no currículo escolar, trazer ações educativas para a comunidade conhecer quem são as pessoas que dão nome às ruas. Costa e Silva nunca esteve em Diadema, mas tem nome de rua com esse nome”, disse referindo-se a avenida no bairro Jardim Casa Grande. Não adianta, político não tem jeito”, diz o memorialista em crítica a parlamentares que sugeriram os nomes de figuras da Ditadura Militar para ruas, avenidas e praças.
“Tem que escolher bem os nomes dentre os que são importantes para a cidade”, diz Carreiro que até pouco tempo trabalhava no Centro de Memória de Diadema, mas agora está afastado. Mesmo com 84 anos, ele ainda se dedica a juntar elementos da história da região, principalmente quanto às biografias. Conversas com moradores, caminhadas pela cidade e até visita a cemitérios de toda a região metropolitana fizeram com que ele reunisse as informações para o seu livro. Ele disponibilizou de seu acervo pessoal, cerca de 3 mil fotos que podem ser consultadas no Centro de Memória. “Eu me dedico a esse estudo e não ganhei um tostão por isso, faço porque eu gosto”, completa.
Viaduto
A Prefeitura de São Bernardo sustenta que já iniciou a mudança de nome de logradouros públicos em substituição àqueles que homenageavam figuras da ditadura. “A atual administração denominou, mediante aprovação na Câmara, diversos equipamentos públicos tendo como critério a relevância e o papel desempenhado pelo homenageado para o desenvolvimento da cidade. Vale destacar que a atual gestão alterou o nome do antigo viaduto Castelo Branco, que homenageava o primeiro presidente da ditadura militar, Humberto Castelo Branco, para viaduto João Fernandes Filho, em alusão ao presidente da Liga de Futebol Amador de São Bernardo, falecido em 2020 em decorrência da covid-19”, diz nota da administração que acrescenta que são realizadas publicações nas redes oficiais da prefeitura que estimulam reflexão sobre a história da cidade, que explicam os nomes das ruas.
A prefeitura de Diadema não aprofundou o tema. Em nota, a cidade informa que os questionamentos sobre a definição dos nomes de ruas devem ser encaminhados ao Legislativo. “Pesquisas mostraram os nomes do presidente Castelo Branco, general e primeiro ditador depois do golpe de 1964, em praça na região central, e do general Costa e Silva, o segundo ditador, no Jardim Casa Grande. Os decretos com os nomes dos logradouros e vias estão no site da prefeitura, e as leis estão no site da Câmara Municipal. As mudanças e nomeações de ruas são feitas via projeto de lei, por isso, esse questionamento deve ser encaminhado à Câmara Municipal de Diadema”, diz a prefeitura quando perguntada se há alguma ação visando mudar o nome destes locais.
As demais prefeituras da região não responderam aos questionamentos do RD.