Reajustes de vereadores ultrapassam índices da inflação

O aumento salarial de 62% concedido aos vereadores de Santo André, aprovado nesta terça-feira (26) pelos próprios parlamentares do município, não foi a única intervenção em beneficio próprio realizada pelos integrantes do poder Legislativo da região.

Desde 2011, as Câmaras Municipais do ABC aprovam reajustes como este, baseando-se na emenda constitucional nº 25/2000, que permite aos vereadores ganharem até 75% do salário de um deputado estadual de São Paulo, dependendo do número de habitantes do município.

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Como ponto em comum, todos os municípios, exceção de Diadema, elevaram os vencimentos dos parlamentares nos índices máximos permitidos pela emenda, em reajustes que, invariavelmente, ultrapassam os índices de inflação acumulados nos quatro anos anteriores à adequação. Para se ter ideia, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumula alta de 22,62% nos últimos quatro anos, período considerado para a aplicação do aumento.

“Se levarmos em conta os índices de inflação, é evidente que um reajuste de 62% está fora de qualquer expectativa real”, analisa Leonel Tinoco Neto, delegado do Corecon (Conselho Regional de Economia) no ABC. “Acredito que nem a arrecadação da cidade tenha crescido tanto neste período. É necessário saber qual o custo-benefício deste reajuste para o município”, argumenta.

Para Tinoco, as reivindicações salariais realizadas por outras categorias de profissionais demonstra o quanto o aumento concedido aos vereadores está fora dos padrões praticados de maneira geral. “Não se trata de ser ou não um reajuste permitido por lei, mas de ter ou não bom senso. A maior parte dos sindicatos comemora quando existe qualquer aumento real acima da reposição da inflação” relata.

O economista e professor da FSA (Fundação Santo André), Ivan Prado, segue a mesma linha de raciocínio do diretor regional do Corecon para comparar as conquistas da maior parte dos trabalhadores com os reajustes no orçamento dos parlamentares. “Os metalúrgicos, que talvez constituam a classe profissional mais forte economicamente da região, receberam 10% de aumento em sua última campanha. Apenas 2,5% acima dos índices de inflação”, compara. O economista afirma que o aumento dos vereadores ficou, em média, 40% acima do IPCA acumulado.

“Além disso, para uma cidade com 20 vereadores, como é o caso de Santo André, aumentar o salário do parlamentar de R$ 9,2 mil para R$ 15 mil significa perder R$ 1,4 milhão por ano, que poderiam ser aplicados em outras demandas, como de ordem estrutural e social”, comenta o professor da Fundação Santo André.

Bonificações

As verbas destinadas ao auxílio dos vereadores em questões relacionadas a transporte, como gasolina para os carros oficiais, à comunicação entre os funcionários do gabinete (contas de celulares) e outras necessidades, não foram repassadas pelas Câmaras. Apenas Diadema informou que destina no máximo R$ 1 mil por mês para atender às demais necessidades referentes ao exercício da função de cada vereador.

Número de habitantes define teto de aumento nas Câmaras

O aumento no salário de vereadores tem um componente que pode amplificar o desgaste político que a medida provoca. O reajuste, na maioria das vezes, é aprovado em ano eleitoral.

A base wwwpara decidir o valor do aumento é o salário do deputado estadual, atualmente em R$ R$ 20.042,35. Como o reajuste dos deputados normalmente ocorre no último ano da legislatura (atualmente 2010-2014), vereadores das Câmaras de todo o Brasil têm dois anos para discutir e aprovar os projetos de aumento, o que eleva as chances de que a votação ocorra em ano de eleições municipais.

O mais recente aumento de salário de vereadores ocorreu na Câmara de São Caetano, na sessão desta quinta-feira (28/6). Os atuais R$ 6,1 mil de vencimento vão saltar para R$ 10 mil na próxima legislatura. O salário tem como base 50% do salário dos parlamentares da Assembleia Legislativa.

Para evitar desgastes, algumas Câmaras evitam votar a matéria em ano de eleições. Foi o caso de São Bernardo, que aumentou os vencimentos de R$ 9,2 mil para R$ 15 mil no ano passado, um reajuste de 62%.

A justificativa dos parlamentares é parecida em todos os Legislativos da região: O aumento seria uma forma de atender à Constituição, e não beneficiaria os próprios vereadores, mas somente os parlamentares que seriam eleitos para a próxima legislatura.

Diferente

Diadema foi outra cidade que preferiu votar o projeto em ano não-eleitoral. O reajuste foi aprovado em setembro de 2011. No município, o cálculo do reajuste é diferente das outras cidades do ABC. O salário atual dos vereadores, de R$ 7,8 mil, terá aumento de 12,46%, válidos a partir de 2013. O valor é vinculado ao reajuste do funcionalismo público local.

Em Mauá, o aumento foi aprovado neste ano. Os salários saltaram de R$ 7,4 mil para R$ 12 mil, o que equivale a 60% do valor do salário do deputado estadual.
Os vereadores de Ribeirão Pires passarão a receber R$ 10 mil no ano que vem. Hoje os vencimentos chegam a R$ 6,1 mil. Em Rio Grande da Serra, o salário passará de R$ 3,7 mil para R$ 6 mil.

O número de habitantes de cada cidade é que define o teto de reajuste dos vereadores. Em cidades com até 50 mil habitantes, o salário pode ser de no máximo 30% do vencimento do deputado estadual. É o caso de Rio Grande da Serra. Já Ribeirão Pires se encaixa na faixa de faixa de população que permite tomar como base 50% do salário dos parlamentares da Assembleia Legislativa.

Memória curta do eleitor favorece ação de políticos

A indignação de muitos eleitores quanto ao aumento dos salários dos vereadores não deve refletir de forma maciça nas urnas em outubro. Segundo especialistas em marketing político, a falta de conscientização do eleitor favorece o esquecimento de ações que, pelo menos na teoria, fariam com que não houvesse votação naqueles que já estão no poder.

“O eleitor reclama, mas acaba esquecendo com o passar do tempo porque tem memória curta e não acompanha de perto a política, ainda mais porque ainda estamos na fase de pré-campanha”, avalia o coordenador do curso de Marketing da (Umesp) Universidade Metodista de São Paulo, Marcelo Alves Cruz.

O professor, porém, acredita que após o início das campanhas pode haver algum tipo de surpresa. “Apesar do processo demorado de conscientização quando o assunto é política, os cidadãos não são mais tão alienados. As redes sociais podem auxiliar neste processo de disseminar a informação”, reforça.

Já Roberto Gondo, presidente da Politicom (Sociedade Brasileira de Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político) e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que, por ser um movimento de âmbito nacional, Legislativos de diversos municípios trabalham para aumentar o salário dos parlamentares, a ação não deverá impactar nenhum candidato diretamente. “A notícia soa de forma negativa para a política em geral, mas não afetará campanhas de forma individual”, diz.

Por outro lado, alguns parlamentares podem se posicionar contra o aumento e aproveitar o tema para tentar se promover. “O vereador que votou contra o aumento pode utilizar este voto como estratégia de campanha. Mas quem foi favorável ao reajuste ficará quieto”, defende.

Ainda de acordo com Gondo, por mais que as redes sociais tenham força, materiais de cunho político ainda só são compartilhados entre aqueles que se interessam pelo tema, portanto não atingem a totalidade dos usuários.

População contesta aumento

Não é difícil encontrar munícipes de Santo André indignados com o aumento de 62% no salário dos vereadores do município, principalmente pelo reajuste estar muito acima do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que nos últimos quatro anos acumula alta de 22,62%.

Além de não concordar com o aumento, o instalador Fernando Ribeiro acredita que o salário não faz jus à atual situação do município. “O que percebo é que a cidade está abandonada. Eles não estão mostrando muito serviço para receber um aumento tão grande assim. Enquanto eles aumentam o seu salário em mais de 60%, aposentados ganham reajustes minúsculos”, diz o instalador.

A balconista Ivani Maria de Jesus ficou surpresa com a informação. “Nós é que pagamos os salários deles. É um reajuste muito alto perto do que os trabalhadores assalariados recebem”, lamenta.

O taxista Gideone Luiz da Silva brinca com o fato. “Quisera eu ter um aumento deste no meu salário”, diz ao deixar recado aos parlamentares que tentarem se reeleger. “Durante o ano todo eles nem passam pelas ruas para conversar com a população. A campanha nem começou e alguns já apareceram por aqui. O meu voto eles não terão”, assegura.

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