A homofobia deve ser criminalizada?

Um dos temas penais que tem tido grande destaque no debate público é a questão da criminalização da homofobia. O caso do homem que teve sua orelha decepada, ao sofrer junto com o filho uma agressão de um grupo que os confundiu com um casal homossexual, aumentou ainda mais a pressão nesse sentido. Mas, afinal de contas, a inexistência de uma lei punindo a homofobia deixa os homossexuais desprotegidos?

Inicialmente, é preciso enfatizar que a homofobia, em si, jamais poderá ser criminalizada, por tratar-se de um sentimento, preconceituoso e repugnante por certo, mas apenas um sentimento, que como tal não pode ser definido como crime. O Direito Penal não pode, em nenhuma hipótese, punir puros sentimentos não exteriorizados. Quer porque há um núcleo indevassável do ser humano, do qual a lei não pode cuidar, quer porque seria impossível se fazer prova de tal sentimento. Assim, ninguém poderá ser punido por ter preconceito racial, sexual ou religioso. O que devem ser punidas são determinadas formas de exteriorização do preconceito racial, sexual ou religioso.

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Em um exemplo, se um sujeito sente descontentamento por ter que servir em seu estabelecimento comercial alguém de certa etnia, pela qual ele tem aversão, pode-se dizer que esse comerciante é racista. Apesar disso, sua conduta é irrelevante do ponto de vista penal, por ser puramente interna, pertencendo à sua intimidade. Contudo, ele jamais poderia externar tal sentimento, impedindo o acesso dessa pessoa ao seu comércio, pois aí haveria uma segregação, o que é crime previsto na lei do racismo. Em outras palavras, não se pune o preconceito racial, que é algo interno, mas a discriminação.

Em relação à homofobia ocorre algo similar. Se um indivíduo é homofóbico e sente aversão, por exemplo, em sentar no transporte público ao lado de um homossexual, nada o Direito Penal deve fazer. Mas, se em razão dessa aversão, ele age de modo a impedir o acesso de homossexual a local público, sua conduta deve ser crime.
Se alguém impede o acesso a emprego de uma pessoa por motivo étnico comete um crime previsto na lei 7.716/89. Se a mesma conduta é praticada contra uma pessoa em razão de sua orientação sexual, a conduta não é definida como crime. Assim, é importante que se introduza na lei do racismo a discriminação contra alguém em razão de sua orientação sexual.

Já em relação à violência contra homossexuais, tanto quanto a por motivações racistas, já existe no ordenamento jurídico crimes que são compatíveis com a reprovabilidade dessas condutas. Se alguém comete lesão corporal motivada pela opção sexual ou pela etnia da vítima, não há na lei um aumento de pena específico para essa motivação, mas há uma fórmula genérica, “motivo torpe”, cabível para agravar a pena. Assim, é desnecessário que a lei contenha fórmulas específicas, como “em razão da cor ou opção sexual”.

No caso específico do homem que teve a orelha decepada, configurou-se uma lesão corporal gravíssima, pela deformidade permanente, com pena de 2 a 8 anos, com o agravamento da pena, por ter sido o crime cometido por motivo torpe. É falsa, portanto, a ideia de que o delito ficará impune ou com pena branda por inexistir uma lei específica penalizando a homofobia.

O fundamental é que sejam introduzidos na legislação crimes punindo condutas discriminatórias contra homossexuais, sendo absolutamente desnecessária a introdução de qualificadoras nos crimes de lesão corporal ou de homicídio.

José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade São Judas Tadeu e da Uniban e de pós-graduação do Centro Universitário Claretiano. 

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