Flip gera abaixo-assinado pela liberdade de biografar

A 5ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, seek a Flip, terminou este domingo com diversas mesas onde se discutiu a literatura e o diálogo com outros meios artísticos, no ano em que se homenageou o versátil Nelson Rodrigues – jornalista, dramaturgo e escritor, morto em 1980. Mas em uma delas, especificamente, nasceu a discussão sobre a liberdade de expressão. Na mesa estiveram os brasileiros Ruy Castro, Fernando Morais e Paulo César de Araújo – todos eles já “perseguidos” por suas obras biográficas.

O resultado do debate, que aconteceu na manhã de sexta-feira, foi o abaixo-assinado, sugerido por uma pessoa da platéia, que reuniria assinaturas dos escritores e seria encaminhado ao Congresso Nacional. Mais do que o abaixo-assinado, a idéia chegou a levantar um questionamento: seria a volta da censura? “Este termo nem foi usado”, dissocia Ruy Castro, em entrevista à Agência Estado. “É apenas uma questão para ser resolvida da forma mais simples possível”, complementou ele, que sofreu processo da família do jogador de futebol Garrincha, em obra realizada sobre sua história.

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De acordo com Ruy e Paulo César, o propósito do abaixo-assinado, na verdade, é regulamentar e uniformizar os artigos dispostos na Constituição, de 1988. “A Constituição é muito clara quando diz que todos têm direito à liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo tem outros artigos lá que dão respaldo para quem reclama de uso de imagem”, comenta Paulo César de Araújo, que teve sua obra sobre o “rei” Roberto Carlos tirada das prateleiras, após ação do cantor contra o escritor, que rolou no primeiro semestre deste ano na Justiça.

Tanto Paulo quanto Ruy esclarecem que a meta do documento é estabelecer limites entre informação e calúnia, podendo assim deixá-los livres para narrarem suas histórias. “Tudo tem limites e esse limite é a calúnia, que tem que ser respeitado. Ninguém pode caluniar ninguém. Agora só porque falou e incomoda esta figura pública, o problema é de quem ficou incomodado”, comenta Paulo. “Se prevalecer para os outros personagens o que está valendo para o Roberto, você não vai poder mais escrever história no Brasil”, acrescenta. Ruy, por sua vez, pondera: “Tudo que seja verdadeiro, condizente com a história e seja importante para a elucidação do personagem eu me sinto autorizado a publicar”.

Peso na Flip

Realizar o abaixo-assinado durante a Flip, de acordo com os escritores, emprega uma importância maior. Para Ruy, a vantagem está em realizar essa ação num local reunido com diversos autores nacionais e estrangeiros, o que deveria sensibilizar e enaltecer ainda mais a questão. Já Paulo observa que o documento teve mais divulgação da imprensa com a Flip. “A importância é o próprio resultado prático. Dito isso numa entrevista isolada talvez não tivesse essa repercussão, essa ação já concreta que conseguimos fazer aqui na Flip”, afirma.

Para Paulo César, o debate desta questão é muito importante e visa definir os rumos da liberdade de manifestação artística no País. “Desde o início eu enfatizei que este processo que o Roberto entrou contra meu livro seria um divisor de águas, para o bem ou para o mal. A questão hoje não é mais o meu livro e o meu caso, mas sim a a questão da liberdade de expressão e o direito de informação no Brasil e até que ponto vai prevalecer ou não na sociedade brasileira”, diz.

As expectativas dos dois escritores de agora em diante é que a proposta seja levada a sério pelos congressistas e agilizada o quanto antes possível. “O abaixo-assinado surgiu da constatação de que os artigos da Constituição são contraditórios e de que não há algo mais importante hoje que o direito à informação e à liberdade de expressão. Aí vem esse apelo aos congressistas, no sentido de regulamentar isso de uma vez por todas e de uma forma inequívoca”, pontua Paulo. Com seu famoso humor sarcástico, Ruy arremata: “Espero que o Congresso, entre uma crise e outra e um escândalo e outro, tenha tempo para se debruçar sobre a cultura nacional”.

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