“Não precisamos de médicos, mas de infraestrutura”, aponta Associação Paulista de Medicina

Em entrevista ao RDtv, Alice Lang Simões, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), avaliou que o governo mudou o foco da questão ao desconsiderar os apontamentos dos conselhos de Medicina.

As soluções apontadas pelo Governo Federal para suprir o gargalo existente no sistema de saúde brasileiro, principalmente no que tange a importação de médicos e a formação de novos profissionais, viraram pauta para debates efusivos por parte de governantes, entidades de classe e de instituições de ensino. 

Nesta segunda (8/7), a presidente Dilma Rousseff anunciou algumas mudanças a serem aplicadas na grade do curso de Medicina, que passará de 6 para 8 anos a partir de 2015. A medida será regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação nos próximos meses. O programa, batizado de Mais Médicos, inclui ainda a abertura de 11.447 novas vagas para graduação e outros 12.376 postos de especialização em áreas consideradas prioritárias até 2017, além da importação de médicos.

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Em entrevista ao RDtv, Alice Lang Simões, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), avaliou que o governo mudou o foco da questão ao desconsiderar os apontamentos dos conselhos de Medicina e priorizar a contratação de profissionais estrangeiros em vez de destinar mais recursos à construção de hospitais e à compra de equipamentos. “Não precisamos de mais médicos, precisamos de infraestrutura. Faltam hospitais, leitos, laboratórios. É muito difícil, no dia a dia do médico, ele exercer a profissão sem essa retaguarda. Além disso, os médicos ainda são muito mal remunerados. Trazer médicos de fora não é a solução”, sentenciou.

Confira os principais trechos da entrevista com Lang.

RD: Como representante da APM, como a senhora encara a situação das cidades com menos recursos e mais periféricas, como Diadema, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, todas no ABC, que sofrem com a contratação de médicos? Qual a postura dos médicos diante disso? É mais difícil realmente distribuir os médicos nessas regiões ou é apenas uma desculpa do governo para atrair médicos estrangeiros?

Lang: O salário ainda é muito ruim. Para o médico ir para um lugar mais distante, o salário tem que ser mais atrativo. O médico estabilizado não tem interesse, mas o jovem está se formando e não tem possibilidades de residência. Ele ainda não está preparado para atender a população porque não tem residência para todos os médicos. O que acontece é que enquanto eles estudam e concorrem a uma vaga na residência, eles aceitam anteder nos programas de saúde da família, porque pagam um pouco melhor. Mas quando ele tem contato com a realidade da saúde pública, ele acaba indo embora. Tudo passa pela questão da infraestrutura.

RD: Qual a média salarial praticada aqui na região?

Lang: Eu não saberia dizer, porque são muitas modalidades de contratação (CLT, concurso, etc). O concursado deve ganhar em torno de R$ 2 mil para 20 horas semanais, pelas Prefeituras. O pessoal contratado via Fundação deve receber cerca de R$ 7 mil. São Bernardo, para aumentar um pouco mais o salário, deu adicionais pela produtividade, e isso força alguns profissionais a irem trabalhar doente, para garantir a renda mensal. Em Santo André, temos um pessoal contratado pela Fundação do ABC e outra parte é concursada. Eu acho que todos os profissionais do ABC deveriam ser contratados por concurso e com a mesma base salarial, e que todos os funcionários das Prefeituras deveriam ser contratados assim. Porque o que acontece, de anos para cá, é que eles são contratados via Fundação, ONGs (Organizações Não Governamentais), e toda vez que mudam os prefeitos, eles são trocados. Não há estabilidade. E muita gente é contratada porque participou de alguma campanha.

RD: O Consórcio Intermunicipal Grande ABC diz que está em busca de uma integração regional para que os salários sejam padronizados nas sete cidades. Vocês têm acompanhado essa discussão?

Lang: Eu acho que temos de ter um salário único e regional, para todos os profissionais da Saúde na região, mas não fomos convidados para debater isso. Mas considerando a distância, deveriam ter adicionais para quem trabalha em cidades como Rio Grande da Serra, Mauá, que são mais longes. Isso ajudaria a fixar o profissional naquela cidade, bairro, para que possam criar vínculos com a população local.

RD: Existe um problema para residência para médicos. Por que isso acontece, já que diminui o número de médicos formados?

Lang: O que acontece é que o Ministério da Educação (MEC) não fiscaliza os cursos de Medicina, porque se o fizesse, a situação estaria melhor. O Conselho Regional de Medicina instituiu um exame que não é obrigatório, mas avalia o nível de formação do médico recém-formado. O MEC, desde o ano de 2012, fez com que o exame fosse obrigatório para que os profissionais recebessem a carteira de médico, mas o exame não tem essa prerrogativa legal. O que aconteceu foi que metade dos médicos teve desempenho ruim, porque o nível das escolas está ruim. Fora isso, os estudantes se formam e querem se especializar, mas não conseguem vagas porque o número de vagas para residências é muito limitado. Com os conhecimentos que eles têm, eles acabam indo para o sistema público de saúde, e se desenvolvem na prática. O governo se descuidou da formação dos nossos profissionais. Precisamos melhorar o nível de formação e o número de vagas para residências. O governo anuncia a criação de mais de 10 mil vagas em residência, mas quero saber como vão operar esse milagre, porque não temos hospitais suficientes para isso.

RD: Esses equipamentos que as prefeituras estão anunciando com mais frequência, como Unidade Básica de Saúde e Pronto Atendimento, eles não comportaria esse profissional em fase de residência?

Lang: Ele não poderia ficar sozinho, precisariam de professores. Mas não sei se teríamos professores o suficiente para acompanhar a todos que pipocam nessas unidades. Os equipamentos estão surgindo, mas não temos profissionais para atender.

RD: O prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo, pretende instalar uma faculdade de Medicina na cidade, no ano que vem. Isso ajudaria a aliviar a demanda por médicos, em médio ou longo prazo?

Lang: Eu acho que não. O Conselho Regional de Medicina tem feito levantamentos, e vemos que há muitas faculdades de Medicina. O problema está na infraestrutura. Nós, nessa demografia médica, vemos que a partir do ano 2000, entram no mercado de trabalho aproximadamente 12 mil médicos, e saem do mercado cerca de 7 mil. O crescimento é de até 8 mil médicos por ano. Ainda acho que precisamos criar mais hospitais, mais leitos, investir nas residências, conversar com estudantes, baixar determinação de que eles precisam prestar algum tempo de serviço à Nação, e à medida que outros profissionais se formam, eles voltam à sua região e fazem a especialização.

RD: Qual a expectativa em relação à importação de médicos estrangeiros e ao Revalida, que é o exame que validaria o diploma desses profissionais?

Lang: Eu me preocupo um pouco, porque os indivíduos sairão de países com língua e cultura diferentes das nossas, e isso criará dificuldade de relacionamento. Além disso, você não sabe o nível de formação dele. É preciso fazer essa avalição. O governo tem que ser rigoroso com as nossas faculdades de Medicina, para que recém-formados prestem a prova do Conselho Regional de Medicina e sejam aprovados, e para que os estrangeiros também entre aqui com essa avaliação.

RD: Como que as entidades regionais de representação dos profissionais de Medicina vão se comportar, sabendo que muitos já fizeram manifestações contra a importação de médicos?

Lang: Nós vamos nos reunir para tomar uma decisão. Algo tem que ser feito, porque não adianta trazer profissionais sem mexer na infraestrutura. Nós temos dados da Organização Mundial de Saúde, apontando que o governo investe apenas 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto a média internacional é de 5,5%. A gente vê que o investimento é muito pequeno. A questão esta nesse financiamento.

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