
A recente elevação da taxa Selic para 15% ao ano, anunciada pelo Banco Central, acendeu alerta no setor imobiliário, especialmente no que diz respeito ao acesso ao crédito habitacional. A taxa básica de juros da economia influencia diretamente os financiamentos e encarece as condições para quem deseja comprar um imóvel, o que trava boa parte das negociações. No entanto, o setor permanece otimista, uma vez que a projeção é a de que até o final do ano haja uma retomada.
Segundo José Augusto Viana Neto, presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP), a Selic elevada segue como o principal entrave para o crédito. “Com juros tão altos, pouca gente consegue comprovar renda para financiar um imóvel. Mas o Banco Central já sinalizou estabilidade, e a expectativa é que em oito ou nove meses possamos começar a ver a reversão dessa curva”, projeta.
A avaliação é compartilhada por Julio Diaz, diretor da Acigabc (Associação dos Construtores e Imobiliárias do ABC), que vê o cenário atual como uma turbulência de curto prazo. “A alta da Selic já impactou o setor neste primeiro semestre, mas acreditamos em uma retomada gradual até o fim do ano, com maior confiança em 2026, especialmente com o cenário eleitoral trazendo novas expectativas”, afirma.
Construtoras recorrem à flexibilidade para manter ritmo de vendas
Na prática, construtoras e incorporadoras têm buscado estratégias para driblar o momento desafiador. Para Milton Bigucci Junior, diretor-técnico da MBigucci, o momento exige inovação. “Não é a primeira e nem será a última vez que o crédito fica mais caro. Por isso, optamos por reforçar ações comerciais que mantenham o imóvel acessível mesmo com os juros altos”, diz.
A empresa realiza nos dias 28 e 29 de junho um feirão focado em imóveis prontos para morar no ABC, São Paulo e Guarulhos, com descontos de até R$ 220 mil. “É uma forma direta de amenizar o custo do financiamento. A orientação é flexibilidade total, com atendimento individualizado, e também oferecemos financiamento direto com a construtora, sem a burocracia dos bancos”, destaca.
Mudança no perfil do consumidor e alternativas de crédito
O consumidor também mudou. Segundo Bigucci, o comprador está mais criterioso, pesquisa mais, simula condições e busca segurança na negociação. “A demanda por moradia continua, mas o cliente atual está mais atento às condições. Isso exige das construtoras agilidade e disposição para negociar”, afirma.
Para contornar o crédito mais restrito, o setor tem apostado em alternativas. Viana Neto lembra que o financiamento direto com os proprietários tem sido uma solução segura, assim como o uso de cartas de crédito de consórcios, que voltaram a ganhar espaço entre quem não consegue comprovar renda familiar nos moldes exigidos pelos bancos.
Outro fator positivo foi a ampliação do programa Minha Casa Minha Vida, que agora atende famílias com renda de até R$ 12 mil na chamada faixa 4, com juros mais baixos. “Essa medida ajuda a manter o mercado em movimento, especialmente em regiões como o ABC, onde boa parte das negociações está abaixo de R$ 500 mil”, reforça o presidente do Creci-SP.
Sinais de resiliência
Mesmo com o freio no crédito, o setor imobiliário do ABC mostrou resiliência no início do ano. Segundo levantamento do Creci-SP com 101 imobiliárias da região, as vendas de imóveis cresceram 3,55% em abril em relação a março. A maior parte das unidades vendidas estava entre R$ 200 mil e R$ 300 mil, com destaque para imóveis de dois dormitórios e localizados em áreas periféricas.
A Caixa Econômica Federal liderou os financiamentos, com 71,2% das transações, seguida por bancos privados (21,2%). O restante das vendas foi feito diretamente com os proprietários (3,8%), à vista (1,9%) ou via consórcio (1,9%).
Em contrapartida, o número de novos contratos de locação caiu 17,02% entre março e abril. A preferência continua sendo por imóveis de dois dormitórios, com aluguéis entre R$ 2.000 e R$ 3.000 mensais.
Cautela no presente, otimismo no horizonte
Apesar da instabilidade macroeconômica – agravada por incertezas fiscais, como a indefinição sobre a reforma do imposto de renda e a volatilidade do IOF -, o setor segue otimista com o médio prazo. “2024 foi um ano de recordes. Em 2025, o desafio é manter o ritmo com cautela, mas com foco nas soluções que existem: crédito direto, flexibilidade e novos formatos de financiamento”, conclui Diaz.
Para Bigucci, o momento é de “otimismo cauteloso”. “As sinalizações das autoridades econômicas indicam que a flexibilização monetária pode começar no segundo semestre. Se isso se confirmar, o mercado deve responder de forma positiva, com reaquecimento gradual das vendas”, diz.