
A Justiça criticou o procedimento da Polícia Civil do Rio de Janeiro na prisão de Marlon Brendon Coelho Couto da Silva, o MC Poze do Rodo. O desembargador Peterson Barroso Simão, da 5.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, citou que o cantor foi algemado e tratado de forma desproporcional, com ampla exposição midiática. Segundo ele, há indícios que comprometem o procedimento regular da polícia.
Procurada, a Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ) não comentou a decisão judicial.
O cantor de funk foi preso temporariamente na quinta-feira (29/05), em sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio, com base em acusações de associação à facção Comando Vermelho (CV) e apologia a crimes como o tráfico de drogas. Segundo a investigação, Poze se apresentou exclusivamente em comunidades controladas pelo CV, onde traficantes armados, inclusive com fuzis, garantem a segurança dos eventos e do próprio artista. A Justiça do Rio de Janeiro mandou soltar o cantor de funk na segunda-feira (2).
Nesta terça-feira (3), a mulher de Poze, a influenciadora Viviane Noronha, foi alvo de uma operação da Polícia Civil do Rio contra um núcleo financeiro do Comando Vermelho que teria sido responsável pela lavagem de mais de R$ 250 milhões.
No caso do MC, a prisão temporária teria prazo de 30 dias, mas nesta segunda-feira (2) houve a concessão do habeas corpus em pedido formulado pelo defensor do funkeiro, advogado Fernando Henrique Cardoso Neves. Na decisão, a qual a equipe de reportagem teve acesso, o desembargador acatou a alegação da defesa de que a prisão teve como base “interpretações subjetivas”, sem prova concreta de que o músico fizesse parte ou apoiasse alguma organização criminosa.
Ponderou ainda que o músico foi detido com o uso de algemas, quando estava sem camisa e descalço, medida que considerou “excessiva e desnecessária à investigação”. Citou o fato de que a prisão contou com ampla cobertura da mídia, seguida de entrevista coletiva da Polícia Civil.
O magistrado comparou a situação de Poze do Rodo à de outros artistas que atuam de forma parecida, mas não são investigados. “Outros cantores se encontram em semelhante atuação artística e, no entanto, não foram, pelo que se sabe, objeto de investigação”, diz.
Para ele, a polícia pode ter agido de forma seletiva ao prender o funkeiro, quando o alvo deveria ser “os comandantes de facção temerosa, abusada e violenta, que corrompe, mata, rouba, pratica o tráfico, além de outros tipos penais em prejuízo das pessoas e da sociedade.”
O desembargador citou que o material arrecadado na busca e apreensão feita na casa do MC seria suficiente para o prosseguimento das investigações sem a necessidade da prisão. Disse ainda não haver indício de que o MC estivesse com armamento, drogas ou algo ilícito em seu poder. E lembrou que “aqueles que levam fortuna do INSS contra idosos ficam tranquilos por nada acontecer”.
Lucros para a facção
Para a polícia, a facção usava os shows do MC para ampliar lucros com a venda de entorpecentes e adquirir armas e outros instrumentos ilícitos, o que ele nega.
No dia de sua prisão, uma postagem feita em sua página no Instagram afirma que “MC não é bandido”. O texto sustenta que a acusação de tráfico e apologia ao crime não faz o menor sentido e que “Poze é um artista que venceu na vida através de suas músicas”. Diz ainda que muitos músicos, atores e diretores têm peças artísticas que relatam situações que seriam crimes, mas nunca são processados porque são obras de ficção.
O post na página oficial de Poze do Rodo conclui que sua prisão ou de qualquer MC nesse contexto é, na realidade, “criminalização da arte periférica, uma perseguição, mais um episódio de racismo e preconceito institucional.”
Para a Polícia Civil e a autoridade judicial que autorizou a prisão, o conteúdo das letras de algumas músicas do MC ultrapassa os limites da liberdade de expressão e configura crimes graves, como incitação ao tráfico, exaltação ao uso ilegal de armas e incentivo a confrontos entre grupos criminosos rivais.
Um desses eventos foi realizado no dia 19 de maio último, na comunidade da Cidade de Deus, onde circulavam traficantes armados. Segundo a polícia, o show, no qual o cantor entoou diversas músicas que exaltavam a facção criminosa, aconteceu poucas horas antes da morte de um policial civil em uma operação na comunidade.
Após ter a prisão revogada, o MC precisa cumprir vários requisitos para continuar em liberdade, como comparecer a um juiz todo mês, justificar suas atividades e manter-se na cidade do Rio de Janeiro até a análise do mérito do habeas corpus. Poze do Rodo também não pode se comunicar com pessoas investigadas no inquérito, testemunhas e membros do Comando Vermelho.