Apesar dos avanços nas últimas duas décadas, como leis específicas, aumento nos diagnósticos e maior conscientização, especialistas apontam que ainda falta investimento consistente na formação de profissionais da saúde e da educação. O debate sobre o TEA (Transtorno do Espectro Autista) cresceu, mas continua aquém das necessidades impostas pela complexidade dos casos e pela ausência de políticas públicas eficazes.
Em entrevista ao RDtv, a neuropsicóloga e psicopedagoga Alessandra Bernardes Caturani, coordenadora do Núcleo Especializado em Aprendizagem do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (NEA-FMABC), e o neuropediatra Rubens Wajnsztejn, professor regente da disciplina de neurologia infantil da FMABC, explicam que o aumento nos diagnósticos decorre do aprimoramento dos critérios, da atuação ampliada de equipes multidisciplinares e da vigilância mais atenta das famílias e instituições.
Avanços no diagnóstico não significam acesso universal
A ampliação do olhar clínico e a formação mais sólida de profissionais permitiram identificar casos de TEA em faixas etárias mais diversas, inclusive na adolescência e na vida adulta. Para Wajnsztejn, esse crescimento era esperado, já que a compreensão sobre o espectro se tornou mais abrangente. Ele alerta, porém, para o risco de rotulações equivocadas, quando características isoladas são confundidas com o transtorno.
Alessandra ressalta que diagnósticos tardios, muitas vezes, revelam sinais ignorados durante a infância, dificultando a efetividade das intervenções. “Quando chegam à adolescência, os prejuízos já são maiores e mais difíceis de intervir”, afirma. Ela também frisa que a formação contínua de equipes escolares e da saúde é essencial para garantir a identificação precoce.
O diagnóstico do TEA considera linguagem, interação social e comportamentos repetitivos — sinais que devem estar combinados. A atuação ativa das famílias também impulsiona o aumento nos encaminhamentos e contribuído para intervenções mais eficazes.
Capacitação e políticas públicas são urgentes
Mesmo com leis como a de 2012, que reconhece o autismo como deficiência, e com o parecer CNE/CP n.º 50 de 2023, o país ainda enfrenta entraves na aplicação prática das políticas públicas voltadas ao TEA. Alessandra considera um retrocesso o esvaziamento de parte do conteúdo do parecer durante a homologação. “Temos leis ótimas no papel, mas falta articulação entre os setores e vontade política para colocá-las em prática”, avalia.
No Grande ABC, algumas prefeituras já desenvolveram iniciativas voltadas ao público com TEA, mas a demanda reprimida permanece alta. A FMABC mantém ambulatórios especializados e atua em parceria com o Consórcio Intermunicipal em ações formativas. Na escola, considerada um ponto estratégico de observação, a capacitação ainda ocorre de forma esporádica. “A legislação prevê a capacitação de educadores e profissionais da saúde, mas isso ainda acontece pontualmente”, afirma a neuropsicóloga.
Wajnsztejn destaca a necessidade de capacitar a rede pública para melhorar os encaminhamentos e garantir terapias mais eficazes. Também reforça que o cuidado à pessoa com TEA exige planejamento de longo prazo, com foco na criação de oportunidades concretas de inclusão, desde a infância até a vida adulta.