
O pai do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, morto aos 22 anos com um tiro à queima-roupa disparado por um policial militar de São Paulo em 20 de novembro, publicou nesta sexta-feira, 20, uma carta pública ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), expondo o caso de seu filho e apelando por justiça.
“Hoje não tenho vida, nem essência, nada. Um fantasma vale mais, porque ele tem alma e eu não mais. A dor levaremos a vida toda, até o final da nossa existência, porque será o designo dos deuses, mas a angustia, a humilhação e raiva contra os criminosos em busca da “justiça dos homens” é o último que me resta agora”, escreveu Julio Cesar Acosta Navarro, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo ressaltou “seu compromisso com a legalidade, transparência e respeito aos direitos humanos fundamentais. A pasta não compactua com excessos ou desvios de conduta, punindo exemplarmente aqueles que infringem a lei e desobedecem aos protocolos estabelecidos pelas forças de segurança”.
“Assim que cientificada do ocorrido, as polícias Civil e Militar instauraram os respectivos inquéritos para investigar os fatos e os policiais envolvidos na ocorrência foram imediatamente afastados das suas atividades. No dia seguinte, o agente responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso no inquérito policial militar (IPM), que é acompanhado pela Corregedoria da Corporação”, afirmou a pasta.
“Em maior número, maior tamanho, treinamento militar, superprotegidos e armados com todas as armas, atiraram covardemente a queima roupa no meu filho, que usava um short e um chinelo por opção de sua personalidade”, diz Navarro.
“Violência contra pessoas pobres e atitudes racistas como foi o caso do meu filho, foram demostradas claramente pelos crimes sobre outras pessoas e o sofrimento de famílias que deram sequência à nossa tragédia, que agora é amplamente conhecida.”
Imigrantes peruanos, Navarro e a mãe de Marco Aurélio, Silvia Mônica, também médica, tiveram o filho no Brasil e vivem na Vila Mariana, onde o crime aconteceu. Eles têm outro filho, Frank Cardenas, também médico. Marco Aurélio sonhava em ser pediatra.
Ele foi morto após dar um tapa em um retrovisor de viatura e sair correndo. Câmeras de segurança mostraram que o jovem estava desarmado, em local fechado e próximo o suficiente dos policiais para um rendimento ou uso de arma não letal pelos agentes.
Na carta, o professor de medicina também menciona a manutenção de Guilherme Derrite no cargo de secretário de Segurança Pública em São Paulo, ex-policial da Rota afastado por excesso de violência, como uma legitimação para casos como esse. “Apesar de ser um oficial com antecedentes e frases incentivando a morte e violência, paradoxal e inexplicavelmente é responsável da segurança dos cidadãos”, diz.
O número de casos de letalidade policial têm aumentado no Estado nos últimos meses. Uma criança de 4 anos morreu durante uma operação da polícia em uma comunidade de Santos, na Baixada Santista, e um homem foi jogado da ponte durante uma abordagem na zona sul da capital.
São Paulo passou de 415 mortes por ação policial em 2022 para ao menos 676 em 2024 (os números até então divulgados vão de janeiro até outubro), uma alta de 63%, conforme dados da SSP.
Desde novembro, dois policiais foram presos e mais de 40 afastados por denúncias de violência em abordagens. Este mês, após queda de popularidade, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a mudar seu discurso, de defesa de uma ação policial combativa, para punição grave a PMs envolvidos em casos de morte e violência contra civis.
Ele optou, no entanto, por não trocar seu secretário de segurança. Depois, avaliou como “excelente” a atuação da PM no último ano.
Relembre o caso Marco Aurélio
Na madrugada em que morreu, conforme boletim de ocorrência e imagens de câmera de segurança aos quais o Estadão teve acesso, Marco Aurélio estava com uma garota de programa, com quem já tinha mantido um relacionamento amoroso, em um hotel na Vila Mariana. Ele e a moça teriam brigado, conforme relato dela à polícia, e Marco Aurélio foi até a rua.
Supostamente embriagado, ao ver uma viatura parada no farol vermelho, o estudante de medicina deu um tapa no retrovisor e correu de volta para o hotel. Dois policiais então correram em direção ao jovem e, após uma luta corporal em que Marco Aurélio tenta derrubar um dos policiais, um dos agentes atira contra ele.
A informação inicial divulgada pela polícia era de que o estudante teria tentado tomar a arma do PM, o que justificaria legítima defesa, mas a afirmação foi desmentida pelas imagens da câmera de segurança do hotel.
Marco Aurélio estava de chinelo, sem camisa e claramente desarmado. Os policiais militares envolvidos na ocorrência foram afastados da atividade ostensiva da PM. O policial que efetuou o disparo foi indiciado por homicídio doloso.