ABC - segunda-feira , 13 de janeiro de 2025

Câmara autoriza o rapa nos fundos municipais e expõe Santo André endividada

Vereadores debateram a proposta, mas a maioria governista deu aval para prefeitura tirar superávit dos fundos. (Foto: Reprodução)

A Câmara de Santo André aprovou nesta terça-feira (26/11), em primeira e segunda votações, o projeto de lei de autoria do Executivo que autoriza a prefeitura a retirar dinheiro de 18 fundos municipais para o pagamento de dívidas. A aprovação vem um dia depois do Secretário de Finanças, Pedro Seno, admitir que o orçamento dos anos anteriores estava superdimencionado e que por isso a peça orçamentária de 2025, que também está em discussão na Câmara, prevê uma arrecadação 10,52% menor. A discussão sobre os fundos é considerada tão prioritária para o governo que outras medidas, como o orçamento municipal, foram adiadas.

A diferença entre o orçamento vigente e o previsto para o próximo ano representa R$ 550 milhões. “As fontes externas, há alguns anos, têm sido superdimensionadas e a proposta foi construída de uma forma bem comedida”, disse Seno ao falar do orçamento previsto para 2025. Além do orçamento encolher, os credores batem à porta da prefeitura o que força a equipe financeira do prefeito Paulo Serra (PSDB) a procurar formas de captar recursos para pagar essas dívidas. Segundo o vereador Ricardo Alvarez (PSol), em quatro anos a prefeitura pediu oito empréstimos que totalizam R$ 1,6 bilhão.

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Como o governo tem larga maioria, o argumento da oposição não foi suficiente para convencer os vereadores governistas do perigo para as políticas públicas que pode representar essa retirada dos recursos dos fundos municipais. Alvarez, que protagonizou o discurso contra o projeto de lei, fez requerimento para o adiamento da propositura, mas a maioria foi contra adiar a votação.

“O projeto prevê rapar o dinheiro de 18 fundos municipais e todo dinheiro que estiver lá no fim do ano é transferido para o tesouro e vai servir para pagar dívidas da prefeitura e precatórios. Imagine na pasta do Desenvolvimento Urbano, onde uma empresa compra o direito para construir na cidade no mês de setembro; como que de setembro a dezembro vai ter algum projeto para usar esse dinheiro? Não dá, é impossível. E tem fundo que não tem paridade entre governo e sociedade civil, ou seja, esse vai ser o fim dos fundos que são originários dos conselhos e ligados à sociedade civil”, discursou Alvarez.

Segundo o vereador a prefeitura está mergulhada em uma crise financeira, mas não admite. “É uma crise monumental que está vendendo terrenos, não está pagando o Instituto de Previdência, e agora quer raspar o dinheiro dos fundos municipais”, aponta. Alvarez destacou ainda trecho da lei em que a prefeitura diz que não vai mais devolver os cerca de R$ 80 milhões tirados dos conselhos através de projeto de lei aprovado pela Câmara em 2021. Esse dinheiro era destinado ao combate à pandemia da covid-19 e seria devolvido após três anos. “Esse projeto desrespeita a Lei Orgânica Municipal, tira a capacidade de pensar a gestão pública dos conselhos e dá um calote explícito numa lei que o próprio prefeito mandou para essa Casa e que vinha acompanhada de uma promessa de devolução”.

Placar da votação do projeto que mexe nos fundos municipais. (Foto: Reprodução)

O vereador Eduardo Leite (PSB) também considera que o projeto proposto por Paulo Serra é um sintoma de que as finanças do município não estão bem. “O orçamento vai muito mal, quando se propõe raspar dinheiro dos fundos que foram criados para políticas públicas específicas. Não existe superávit nos fundos, é um saldo, se o valor que está lá não é suficiente para determinado projeto, se transfere ele para o próximo ano e complementa, até um dia que vai ter o suficiente. Por isso não é razoável tirar dinheiro dos fundos, já que, por lei, eles tem aquela finalidade. Está na hora do governo parar de fazer novas dívidas porque este é um sinal de que a saúde financeira não vai bem”, disse o socialista.

Cheque em branco

Para Alvarez a prefeitura também não demonstrou quanto essa medida vai representar, não informou quanto dinheiro ficou nos fundos no final dos últimos anos. “A Câmara aprovou um cheque em branco para o governo. Nós pedimos, em requerimento, o saldo dos fundos e o governo rejeitou, ou seja, a prefeitura não quer responder. O prefeito dizia que o orçamento estava em ordem, mas agora vende terreno, não paga a previdência e tira dinheiro dos fundos, ou seja, pintavam Santo André de dourado, quando na verdade não é”.

A favor do governo o vereador Márcio Colombo (PSDB) disse que votou com tranquilidade do projeto. “Faz parte da boa gestão aproveitar todo o recurso com eficácia e eficiência. Ninguém está raspando o dinheiro dos fundos, que podem empenhar e reservar. Somente o que for superávit volta para o tesouro, essa lei foi inspirada em Porto Alegre e lá deu certo”, aponta.

Ricardo Alvarez criticou o projeto e diz que a Câmara deu cheque em branco para o prefeito. (Foto: Reprodução)

O placar na primeira votação ficou em 14 votos favoráveis contra seis contrários. Votaram contra a medida, além de Alvarez e Leite, os vereadores Wagner Lima (PT), Pedro Awada (União Brasil), Lucas Zacarias (PL) e Toninho Caiçara (Podemos). Este último disse que se enganou e votou errado. Situação que ele não repetiu na segunda votação, no período da tarde, que teve placar de 15 a cinco. O vereador Almir Cicote (Avante) alegou problemas pessoais para justificar sua ausência na sessão.

Reunião

Os membros dos conselhos municipais devem se reunir para decidirem que providências serão tomadas. “Primeiro os conselhos devem conversar entre si e decidir o que fazer”, disse a vice-presidente do MDV (Movimento em Defesa da Vida do ABC), Raquel Fernandez Varela. A entidade tem cadeiras em dois conselhos entre eles o CMPU (Conselho Municipal de Política Urbana) gestor do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, que é um dos fundos que tem o maior volume de verba, ao lado do Fundo Municipal de Trânsito e o Fundo Municipal de Iluminação Pública.

Raquel considera que o governo teve alguns cuidados na elaboração do projeto e atende o que diz a lei, de que não podem ser retirados recursos previstos pela Constituição Federal; tais como contrapartidas e dinheiro da outorga onerosa, que é o grosso do volume que está depositado no Fundo de Desenvolvimento Urbano.
A representante da sociedade civil no CMPU considera também que pode ocorrer do governo, mesmo após a aprovação pela Câmara, desistir do projeto pela repercussão negativa e por isso o ideal seria aguardar antes de procurar, por exemplo, o Ministério Público. “Isso já aconteceu quando da UBS da Vila Guiomar e quando se tentou mexer na LUOPS (Lei de Uso e Ocupação do Solo) em Paranapiacaba. Então é esperar, e reunir os conselheiros porque no caso do FMDU é questionável então tem que estudar para ver o que vai ser feito”.

Márcio Colombo defendeu a proposta do governo e lembrou Celso Daniel (Foto: Reprodução)

Conselheira da Cultura, a professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), Silvia Helena Passarelli, também considera que os conselhos devem se reunir para decidir o que pode ser feito, mas admite uma dificuldade para fazer isso. “As pessoas estão cansadas e alguns grupos, desarticulados”, comenta.

Ricardo Alvarez também disse que, do ponto de vista legal, a prefeitura e a Câmara seguiram o trâmite e o teor do projeto considerou a legislação vigente, portanto não vê prosperidade em uma representação no MP, mas ele questiona a moralidade da iniciativa. “Mesmo que se respeite as verbas que são carimbadas, vai impedir os trabalhos nos conselhos. E outra, dar o calote em R$ 80 milhões e a Câmara ainda aceitar isso, para mim fere o princípio da moralidade, um desrespeito com os vereadores. O que resta disso tudo é uma crise orçamentária explícita, mas não reconhecida pelo governo”, disse.

Celso Daniel

Até o prefeito assassinado em 2002, Celso Daniel (PT), foi citado durante o debate do projeto dos fundos municipais. Os vereadores Marcelo Chehade e Márcio Colombo (ambos do PSDB) apontaram que o dinheiro que migraria dos fundos para o Tesouro Municipal seria usado para pagar dívidas, dentre elas precatórios que foram criados nas gestões do PT, começando por Celso Daniel. “Esse dinheiro é para pagar precatório que vêm lá de trás, não é só a dívida atual, esses precatórios matam a nossa capacidade de investimento”, disse Chehade.

Colombo disse que o projeto prevê mexer apenas nos recursos que está sobrando porque não tem empenho ou reserva. “Parte volta para o tesouro para o pagamento de dívida e parte dela é da época do Celso Daniel, que ele deixou de herança para a cidade. O dinheiro que fica no tesouro vai ajudar a cidade a se manter em pé. Através da gestão do orçamento é que a gente conquista os grandes benefícios sociais. Então a gente votou sim de forma honrosa, agora baderneiros e vereadores que querem distorcer os fatos são os que atrapalham”, completa.

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