Por André Naves
Nos últimos anos, o crescimento exponencial das apostas online, conhecidas popularmente como bets, tem gerado preocupações alarmantes no cenário social e econômico do Brasil. Dados recentes indicam que mais de R$ 21 bilhões já foram perdidos por brasileiros nessa prática, o que evidencia o impacto destrutivo que essa jogatina inconsequente tem causado.
O que mais choca, porém, é que desse montante, cerca de R$ 3 bilhões foram desperdiçados por beneficiários do programa Bolsa Família, uma política pública destinada a promover a autonomia, dignidade e segurança alimentar. Esses números são um reflexo gritante de como as bets estão ampliando a miséria, a exclusão social e comprometendo a saúde financeira e emocional das famílias.
O impacto desse valor desviado da economia, especialmente dos beneficiários do Bolsa Família, é devastador. Esse programa, historicamente, foi criado para garantir que as famílias de baixa renda pudessem ter acesso às necessidades básicas e, assim, desenvolver suas capacidades intrínsecas de participação ativa na sociedade. No entanto, ao serem capturadas pela ilusão das apostas, essas famílias desperdiçam recursos essenciais, comprometendo setores econômicos fundamentais, como o comércio e os serviços.
Com menos renda disponível para o consumo, há uma retração na demanda desses setores, prejudicando pequenos negócios e contribuindo para uma desaceleração da economia local, especialmente em comunidades de baixa renda. O ciclo de dependência econômica, que o Bolsa Família buscava quebrar, torna-se ainda mais evidente e cruel.
Além do prejuízo econômico direto, o impacto da bets reflete-se também no endividamento familiar. Famílias que já enfrentam dificuldades financeiras se veem cada vez mais endividadas, arrastadas por um ciclo vicioso de perdas e mais apostas. O sonho de melhora financeira, promovido por uma falsa promessa de ganho fácil, rapidamente se transforma em um pesadelo de exclusão econômica, à medida que os recursos para educação, saúde e alimentação são destinados ao jogo. Assim, as apostas exacerbam a vulnerabilidade dessas famílias, perpetuando um ciclo de pobreza que compromete gerações.
Não se pode ignorar, também, os impactos devastadores sobre a saúde mental. O vício em apostas gera ansiedade, depressão e estresse, condições que muitas vezes evoluem para casos mais graves, como o suicídio. O equilíbrio emocional familiar é destruído, levando à desagregação, conflitos e, em muitos casos, à violência doméstica.
A fragilidade social se amplia, com comunidades inteiras enfrentando as consequências desse vício: aumento da criminalidade, da marginalização e da ruptura dos laços sociais. A aposta, portanto, não se limita ao indivíduo que participa, mas tem efeitos diretos na sociedade como um todo. A exclusão social se agrava à medida que esses indivíduos, já fragilizados economicamente, perdem suas chances de ascensão social e de participação no mercado de trabalho.
Por fim, é importante destacar que, ao eliminar o dinheiro arduamente conquistado pelo trabalho, as bets afastam os indivíduos do sonho do empreendedorismo e da autonomia financeira. A falsa promessa de ganhos rápidos destrói as oportunidades reais de crescimento, impedindo que as pessoas invistam em educação, qualificação profissional e em pequenos negócios.
A frustração, a carestia e a desesperança são os adubos que tornam o solo social fértil para a radicalização ideológica. Em cenários de seguidas frustrações, o surgimento de respostas políticas violentas e antidemocráticas encontra espaço. As bets, nesse contexto, são parte da equação que fomenta o extremismo e a polarização política, contribuindo para o cenário cada vez mais radicalizado e violento em que vivemos.
Diante desse panorama, torna-se urgente a implementação de uma ampla regulação legislativa e jurisprudencial para controlar as apostas online. Uma regulação efetiva precisa restringir o acesso, sobretudo de populações vulneráveis, e estabelecer mecanismos de proteção financeira e psicológica para aqueles que já estão imersos nesse ciclo de destruição.
Neste contexto, a Educação Pública de Qualidade surge como um pilar fundamental para enfrentar esse grave problema. Ao promover, nas escolas e universidades, a conscientização sobre os riscos das apostas e desenvolver habilidades críticas nos jovens, podemos evitar que novas gerações caiam nas armadilhas desse sistema.
Para que o Brasil possa, de fato, promover a inclusão e a emancipação, é necessário enfrentar de frente essa realidade e garantir que os recursos sejam utilizados para a construção de um futuro mais digno e justo para todos.
A bets são mais do que um jogo: são uma aposta na exclusão social. Somente por meio da regulação e da educação, podemos começar a reverter esse processo e proteger as famílias brasileiras de um destino de miséria, frustração e exclusão.
André Naves é Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor, professor, ganhador do Prêmio Best Seller pelo livro “Caminho – a Beleza é Enxergar”, da Editora UICLAP (@andrenaves.def).