Nesta quinta-feira (08/08) é celebrado o Dia Nacional da Pessoa com AME (Atrofia Muscular Espinhal) que se caracteriza pela perda de neurônios e a redução dos movimentos e até imobilização do paciente. Apesar de avanços da ciência rumo à melhoria da qualidade dos pacientes, ainda há muitos obstáculos. No Brasil uma conquista recente foi incluir no exame do pezinho o diagnóstico de AME, outra foi a introdução de um novo medicamento, de dose única, o Zolgensma, na lista de medicamentos do SUS (Sistema Único de Saúde) porém, na prática, nem uma nem outra determinação é atendida pela saúde pública e, no caso do medicamento, os tribunais são o balcão onde as famílias buscam apoio.
Para Adriane Loper, membro do Universo Coletivo AME, entidade nacional que organiza institutos e grupos de famílias que lutam por melhores condições para os portadores da doença, tudo no Brasil, quando se refere aos tratamentos para doenças raras, é mais difícil. “Meu filho teve AME há 28 anos, quando não tínhamos nada, apenas alguns protocolos de ventilação, mas sem medicação. Só melhorou em 2016 com o medicamento Spinraza, que chegou ao SUS em 2017, depois veio o Risdiplan, agora vem o Zolgensma, que já entrou para o SUS, só que não é fornecido, o Ministério da Saúde, diz que falta firmar com o fabricante o Acordo de Compartilhamento de Risco. Estão discutindo isso desde abril de 2023, mais de um ano, e para quem tem AME a cada dia que passa a situação piora, os neurônios que se perdem não são repostos, então a cada dia uma pessoa perde mais e mais movimentos. Não dá para entender que estejam se reunindo para tratar do assunto durante um ano e quatro meses”, aponta.
O AME tem cinco tipos, sendo o zero o mais severo e o 4 o mais leve. “Eu conheci um menino nos Estados Unidos que, com oito anos pulava e brincava normalmente, porque ele foi diagnosticado com oito dias de vida e começou a tomar os medicamentos, então ele teve uma perda de neurônios de apenas oito dias então a qualidade de vida dele é muito boa. Enquanto no Brasil, um medicamento que entrou na lista do SUS em 2022 ainda não é fornecido, somente se as pessoas forem na justiça. Aí o governo paga mais caro e ainda arca com as custas processuais. A nossa luta é para que todos os pacientes com AME, de todas as idades recebam o tratamento e para que seja cumprida a lei 14.154 que incluiu ao teste do pezinho a pesquisa novos grupos de doenças, entre elas o AME”, diz Adriane.
A judicialização de casos para obrigar que o governo forneça os medicamentos é única no Brasil segundo Adriane Loper. “Em outros países também tem, mas não como aqui. Se faz o teste do pezinho já se cria um fluxo de atendimento, não tem porque ser assim. Os dois medicamentos Spinraza e o Ridisplan ainda se consegue para pacientes de nível 1 e 2, mas para os demais e para os adultos, só com ação judicial. O ideal é começar o tratamento nos primeiros dias de vida, mas tem adultos que começam a tomar e recuperam movimentos dos membros que já tinham perdido”, completa.
O caso de Gianlucca Trevellin, hoje com 12 anos de idade, ganhou grande repercussão nacional e internacional pela luta dos pais Renato e Catia Trevellin, em busca de tratamentos, atendimento médico, medicamentos e até para conseguir escola para o menino os pais tiveram dificuldade. “A vida já não é fácil para quem tem filho com doença rara, tivemos problemas com plano de saúde, com escola, com medicamento ao ponto que o juiz mandou prender o secretário adjunto da saúde se não fornecesse o remédio para meu filho. É uma briga para tudo. Eu fui 22 vezes a Brasília. Se não fosse ação na justiça o Gianlucca não teria nem o Spinraza. Hoje o Gianlucca tem três tratamentos, mas nada foi fácil”, relata o pai. “Fui aos Estados Unidos, pressionamos o FDA, que é a Anvisa deles, chegamos a entregar nas mãos da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro um abaixo assinado com um milhão de assinaturas para a introdução do Spinraza no SUS”, relata.
O resultado do tratamento em Gianlucca são bem significativos, a criança estuda com a ajuda de um computador, tem aulas em casa e presenciais em escola do Estado, em Santo André, e tem melhorado a cada dia. “Com 12 anos meu filho era para estar mexendo somente os olhos, mas hoje ele consegue mexer as mãozinhas, alguns movimentos nos pés e teve, principalmente, uma excelente evolução na respiração a ponto de ficar várias horas sem o respirador”, explica o pai. Além dos medicamentos Gianlucca faz fisioterapia duas vezes por dia e ainda terapia ocupacional e fonoaudiologia.
Uma das conquistas mais recentes foi a aula presencial. Depois de uma luta com a rede municipal o jovem passou a ter aulas em casa e duas vezes por semana na escola, mas quando passou para o fundamental II e foi para a rede estadual, teve início nova batalha até conseguir seu espaço. O jovem começou este ano, em abril, com dois meses de atraso, a frequentar as aulas na escola estadual José Augusto de Azevedo Antunes, que fica no bairro Casa Branca, em Santo André. Tudo parecia bem até há duas semanas quando os professores que atendiam o menino nas aulas em casa saíram e hoje ele tem só 25% das aulas que deveria ter.
Mas a família de Gianlucca, apesar de estar sempre pronta para as novas lutas, se apega nas pequenas vitórias. “Hoje ele consegue através do computador entrar até na televisão quando a gente está assistindo, aí a gente ouve uma gargalhada, isso não tem preço. Ver ele sorrir é a melhor coisa”, completa.
Ministério
O RD questionou o Ministério da Saúde sobre o medicamento Zolgensma e a pasta manteve a mesma posição de que ainda está em trâmite seu processo autorização para fornecimento aos pacientes. “O Ministério da Saúde informa que o SUS disponibiliza para o tratamento de Atrofia Muscular Espinhal (AME), pela via administrativa, as tecnologias nusinersena e risdiplam, indicadas para o tratamento medicamentoso específico da AME Tipos 1 e 2. A terapia gênica onasemnogeno abeparvovec (Zolgensma) foi incorporada ao SUS por meio da Portaria SCTIE/MS nº 172, de 06/12/2022, para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) Tipo 1, indicando o tratamento para pacientes pediátricos de até 6 meses de idade que não necessitem de ventilação invasiva por mais de 16 horas diárias. Para que o medicamento seja fornecido à população, é necessária a atualização do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) e a formalização de um Acordo de Compartilhamento de Risco (ACR), que está em fase de pactuação. O ACR é o primeiro acordo comercial envolvendo pagamento da terapia após monitoramento individual do paciente no SUS. Tal inovação impõe a criação de soluções que envolvem um processo complexo de organização do sistema de saúde”, diz a nota.