O Idec (Instituto de Defesa dos Consumidores) quer uma audiência com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP) para ter o exato conteúdo do acordo feito em maio com as operadoras de saúde. O instituto, como outros órgãos de defesa do consumidor, está atento ao cancelamento em massa dos planos de saúde coletivos, aqueles em que há uma administradora entre o usuário e a operadora. Pacientes com TEA (Transtorno do Espectro Autista) ou que precisam de tratamentos contínuos como os oncológicos, são os mais cortados pelos planos. Nem mesmo com o acordo que foi celebrado com Lira, os cancelamentos unilaterais cessaram, nem mesmo os planos já cortados foram reestabelecidos. Determinações judiciais também são atendidas pelas operadoras.
Para a advogada Marina Magalhães, pesquisadora do programa de Saúde do Idec, não se sabe ao certo quais foram os termos do acordo e o instituto quer que o cancelamento unilateral seja proibido em qualquer situação, seja em planos individuais, seja nos coletivos. “Temos só uma ideia do que foi acordado com o deputado Arthur Lira. Por algumas postagens vimos que se quer impedir os cancelamentos só para alguns tipos de contratos, mas nós achamos que qualquer cancelamento é abusivo. Temos dúvidas do quão democrático é esse acordo então por isso pedimos que o deputado nos receba e mostre o que foi combinado com as operadoras. O que vimos é que as vítimas disso, os consumidores, ficaram de fora desse acordo. O que parece deixaram ficar tão ruim assim para fazerem um tipo de chantagem e as operadoras pautarem suas demandas”, diz.
A situação de não atendimento às determinações judiciais, é outra preocupação do Idec. “Se nem o Judiciário resolve, o consumidor vai reclamar para quem? O Judiciário também tem que dar uma resposta. Em Brasília tramita o projeto de lei 7419 que compila uma série de propostas sobre os planos de saúde, uma delas é exatamente que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) proíba os cancelamentos unilaterais de contratos, mas o projeto está em trâmite há 17 anos. Já tentamos também que a ANS realize uma audiência pública com os órgãos de defesa do consumidor. Ontem (11/06) recebemos a resposta de que a agência não vai chamar uma audiência sobre esse assunto. Então fica complicado a agência que deveria regular não em interesse”, aponta Marina.
Os planos se apegam em uma trajetória que revelou prejuízos operacionais, durante a pandemia da covid-19, mas para o Idec essa situação já foi superada e os planos já voltaram a ter lucro. “Porém as operadoras se apegam nisso para fazer reajustes abusivos. Me parece que essa omissão regulatória é proposital e as empresas só estão se aproveitando disso e ainda usam isso sem medo algum para justificar os cancelamentos e manter seus lucros”, completa. O Idec tem uma campanha que visa combater os aumentos dos planos de saúde. A Campanha Chega de Aumento pode ser acessada pelos canais do Idec que também conta com informações importantes para os usuários que enfrentam problemas com as operadoras.
Cancelamento
Um exemplo da forma com os planos de saúde estão agindo é o de Tatiane Ferreira Alves, de Santo André, que tem um plano da Unimed, feito através da Qualicorp, para atendimento do filho, Davi Ferreira Alves, de 9 anos, autista com nível 3 de suporte. A história deles com a operadora e a administradora tem vários momentos de tensão. Em 2022 ela conta que teve que ir à justiça e obter uma liminar para o reestabelecimento do atendimento do filho, no ano seguinte conseguiu nova liminar contra o reajuste praticado pela operadora. Como há uma diferença entre o valor que a Unimed cobra e o boleto que a Qualicorp emite, a consumidora passou fazer os pagamentos em juízo. Em maio deste ano a Unimed cancelou o plano alegando inadimplência. Nova liminar foi concedida e mesmo assim o atendimento cessou em 31 de maio. “Meu filho está há 12 dias sem as terapias e está regredindo no tratamento. A escola já me ligou duas vezes e tive que ir buscá-lo porque ele fica agitado e acaba batendo nos colegas”, relata a mãe.
Após o questionamento da reportagem sobre o cumprimento da liminar, tanto a Unimed como a Qualicorp, informaram que o plano de saúde de Davi foi reestabelecido. “O contrato do beneficiário está ativo em cumprimento à decisão judicial. As rescisões de contratos de pessoa jurídica (coletivo empresarial e coletivo por adesão) estão previstas e regulamentadas pela ANS. Jamais são feitas de maneira arbitrária ou discriminatória. Elas ocorrem dentro das condições estabelecidas em contrato e são comunicadas previamente às administradoras, sendo estas as responsáveis pela gestão dos contratos, pela comunicação aos clientes e por oferecer outras opções do mercado”, informa nota da Unimed.
“A Qualicorp informa que o plano de saúde do beneficiário está ativo. A reativação do plano, assim como o pedido de cancelamento, é uma atribuição da operadora Unimed Nacional, responsável pela cobertura assistencial. Na condição de administradora de benefícios, a Qualicorp, quando informada pela operadora, realiza o contato com o beneficiário para informar que o plano está novamente ativo e disponível para utilização”, diz a administradora.
Tatiane também confirmou que o plano estava inativo na manha desta quarta-feira (12/06) e que o status só passou para “ativo” após a conversa com a reportagem. “Eu consulto o aplicativo todos os dias e só hoje mudou depois que falei com a reportagem, não tenho dúvidas que foi por causa disso”, diz a mãe do Davi.
A assessoria do deputado Arthur Lira ainda não marcou reunião com o Idec. O RD também questionou a presidência da Câmara sobre o acordo, mas até o fechamento desta reportagem não houve resposta.