Após derrubar o veto do prefeito Paulo Serra (PSDB) a Câmara de Santo André aprovou e vai sancionar a lei que reconhece as práticas e os saberes dos povos tradicionais de matriz africana (POTMA) e torna suas práticas patrimônio imaterial no município. O município é o primeiro no Estado a aprovar a lei que também foi proposta na Câmara Federal e assembleias legislativas de vários estados, além de Legislativos municipais.
Sobre a proposta, de autoria do vereador Ricardo Alvarez (PSol), pairava uma rejeição do governo que apresentou veto total à propositura, porém na terça-feira (11/06) o veto foi derrubado e o projeto vai ser sancionado, tornando-se lei. O governo sustentou, na tentativa de barrar a lei, de que as questões de tombamentos são atribuições do Poder Executivo através do Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico Urbanístico e Paisagístico de Santo André) e que, portanto, a medida teria vício de iniciativa por ser inconstitucional. No entanto o parlamentar, que é da minoria oposicionista na Câmara, conseguiu apoio inclusive de parlamentares da sustentação do governo e da própria prefeitura para derrubar o veto e aprovar sua propositura.
“Eu avalio que mais do que uma vitória do nosso gabinete, essa é uma vitória da Câmara e de Santo André. Quando um projeto sofre um veto e ele é derrubado, ele deixa de ser só do vereador e passa a ser abraçado por todos na Câmara. Claro que eu fiquei muito contente, mas essa vitória é do povo preto que se mobilizou”, disse Alvarez. O trabalho de bastidores e de convencimento da base governista foi intenso, mas a propositura contou com a simpatia da secretária de Cultura da prefeitura, Simone Zárate. “Ela apoiou nossa iniciativa e diz que ela cria um novo parâmetro de tombamentos de próprios públicos. Por isso digo que esse projeto foi construído à várias mãos”, disse o parlamentar.
Sobre o veto, Alvarez disse que o governo se apegou apenas no entendimento em relação aos tombamentos de prédios, mas ressalta que a medida é muito mais do que apenas isso. Ele relatou ainda como é difícil um vereador de oposição aprovar projetos em Santo André. “Nós não estamos escolhendo quais prédios serão tombados, mas sim criando outros critérios de tombamento. Eu sou vereador como os outros, mas minha vida é mais difícil do que a de quem é da situação, aprovar não foi fácil. Para se ter uma ideia estou há oito meses aguardando aprovação de requerimentos de informação”, conta o vereador do PSol.
Vitória
Sonia Maria de Souza Raimundo, de 72 anos, fundadora do Movimento Negra Sim, descreveu a alegria de ver Santo André sendo pioneira no reconhecimento de tudo que homens e mulheres negras construíram na cidade e o quanto contribuíram para a cultura. “A construção de Santo André foi mérito de todas as pessoas, mas esse mérito nos foi negado por muito tempo, tem pouco mais de 100 anos que o negro passou a ter o direito de estudar de ter sua terra. Agora está nas mãos do prefeito a responsabilidade de termos uma sociedade melhor”, diz.
A militante do movimento negro, nascida em Santo André, retratou a luta da sua família. “Minha bisavó trabalhou em uma olaria onde hoje é o Campo do Guaraciaba. O povo negro só é reconhecido pela cor da sua pele e não pelo que construiu na cidade, então o POTMA significa que temos uma tradição. Santo André, uma cidade tão conservadora entra para a história, antes foi tão conhecida como cidade do futuro, cidade do esporte, agora vai ser uma cidade que representa todos, com uma sociedade mais plena e respeitosa”.
Avó de seis netos, Sonia acredita que eles terão mais oportunidades que seus filhos, que ela, sua mãe, avó e bisavó. “Eu sou mãe de um rapaz, que diziam que ia para o tráfico, mas hoje ele é especializado em tratamento de dependentes químicos, sou mãe de uma doutora em educação e meus netos vão ter chances melhores. Meus filhos já tiveram uma vida melhor que a minha porque a gente não se calou. Mas a lei é apenas mais uma peça nessa luta. Ainda temos uma batalha para que o governo a coloque em prática”, completa.