Neste domingo (31 de março) completa 60 anos um dos marcos da história brasileira: a ditadura militar. Em alusão à data, no dia 4 de abril ocorre o lançamento do livro “A ditadura, a cumplicidade da Volkswagen e a resistência dos trabalhadores”. Ao RDtv, Expedito Soares, vice-presidente da Associação Heinrich Plagge, comenta sobre o livro, desde a vivência dos anos trabalhados na Volkswagen até o reconhecimento de órgãos públicos na reparação histórica da vida de centenas de trabalhadores.
Para entender do que o livro trata, Soares comenta sobre a sua história com a Volkswagen. “Trabalhei lá por 5 anos, de 1972 até 1977, e era escancarado o que acontecia ali. Na própria fábrica aconteciam prisões na nossa frente de pessoas que, segundo os funcionários, faziam parte de algum tipo de célula comunista, o que não era verdade”, diz. Em sua experiência, ele comenta que outros funcionários (incluindo Heinrich Plagge, que lava o nome da associação) sofreram torturas e por vezes foram levados a uma sala no porão da fábrica, chamada de “chiqueirinho”.
Ele diz que haviam guardas em todos os lugares: banheiros, restaurantes, corredores, assembleias e reuniões. “Não podíamos fazer nada e tínhamos que pedir tudo ao guarda, que remetia muito a um guarda nazista. Para ter noção, teve uma vez que fui submetido a ficar 14 dias nessa sala, cumprindo a jornada de trabalho, e no outro dia tinha que voltar à mesma sala por razões que não sabia quais eram”. Quando chegou no 12° dia, recebeu a informação da sua demissão por justa causa, sem uma explicação.
Para Soares, a sua história com a Volkswagen acabou ali. Porém, em 2014, a CNV (Comissão Nacional da Verdade), promovido no governo de Dilma Rousseff, revelou documentos importantes que trouxeram Soares e seus colegas de trabalho da época a tona do que acontecia na fábrica: a Volkswagen, assim com outras empresas, compactuavam e apoiavam a Ditadura Militar. “Nós já sabíamos que a empresa tinha um envolvimento direto com o governo da época, mas com esses arquivos revelados pelo CNV, começamos a debater o quanto as ações feitas pela Volkswagen na época prejudicaram a vida de milhares de pessoas que perderam suas famílias, empregos e casas. Esse foi o pontapé inicial para iniciar o desenvolvimento do livro, bem como a reparação histórica e financeira do que ocorre”, explica.
Portanto, a partir de 2014, os principais integrantes da Associação Heinrich Plagge, que envolve Soares como representante, buscaram maneiras de comprovar ao MP (Ministério Público) os danos morais e econômicos causados pela multinacional aos seus ex-funcionários. “A Volkswagen brasileira não estava aberta a conversas, pois parecia que nenhuma documentação era o suficiente para mostrar a gravidade da situação. Por isso, um de nossos representantes foi à matriz da empresa na Alemanha, e a partir desse ponto as coisas mudaram”, diz. Ele explica que em tratativas com os diretores da sede da Volkswagen na Alemanha, além da apresentação de documentações adicionais, foi possível elaborar o TAC (Termo de Ajuste de Conduta), que em comum acordo com o MP, a Volkswagen e a Associação, foi definido que a empresa alemã deveria ressarcir com recursos todos aqueles prejudicados pela ditadura, envolvendo compensação financeira (destinada aos trabalhadores e fundos de memória), além da reparação histórica.
Desse modo, a Volkswagen se tornou a única empresa a reconhecer as ações feitas na época, envolvendo o envio de trabalhadores para os órgãos de repressão, demissão com justa causa sem motivo e apoio ao governo. “Queríamos um pedido de desculpas formal para todos os trabalhadores prejudicados pela empresa alemã, mas também por outros que, graças ao relatório da CNV, descobrimos mais informações de modo a trazer a dignidade das pessoas”, explica Soares. Mercedes-Benz, Scania e Folha de São Paulo são algumas das outras empresas citadas nos documentos.
Para compor o livro, Soares contou com a participação dos jornalistas Solange do Espírito Santo e Gonzaga Monte Carmelo. Dividida em 5 capítulos, a obra explica em tópicos mais aprofundados a chegada da Volkswagen no Brasil, bem como a relação da empresa com o AI-5, manifestações e reivindicações, participação direta da empresa alemã na ditadura e a criação do TAC. “Essa obra não só relembra o Golpe de Estado de 1964, mas também denúncia, debate e coloca a questão das empresas que contribuíram com o evento”, comenta Soares.
Lançamento do livro
O evento de lançamento da obra ocorre na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo (rua João Basso, 231 — Centro), no dia 4 de abril, a partir das 16h. A cerimônia conta com a presença de Luiz Marinho, ministro do Trabalho, e outras personalidades. Haverá a venda física do livro, em torno de R$ 50, que também pode ser adquirido pelo site da Editora Alameda.