Transporte coletivo, carro de aplicativo, bicicleta e até caminhada são as opções que os consumidores têm experimentado para fugir do preço do combustível que, após consecutivos aumentos nos últimos dois meses, chegou perto de R$ 6 o litro da gasolina e por volta de R$ 4,80 no caso do etanol. Se o consumidor busca alternativas para não ter seu orçamento ainda mais encolhido pelos preços, os donos de postos de combustível sofrem duas vezes, com críticas dos clientes insatisfeitos c por não conseguirem recuperar o patamar de vendas que tinham antes da pandemia.
O consumidor, a parte mais frágil da relação de consumo, tem optado trocar o transporte individual, mais confortável, pelos ônibus e trens lotados e aumentar o risco de contato com o novo coronavírus. É o caso da professora andreense Sharlene Brasiliano, que trabalha em São Paulo. Sharlene usava o automóvel como meio de transporte, mas por conta do preço da gasolina agora deixa o carro em casa e usa três modais de transporte público. Utiliza um automóvel por aplicativo para chegar até a estação no Centro de Santo André, depois pega o trem e para alcançar o Metrô e chegar até o trabalho. “Em abril, quando comecei a trabalhar presencialmente meu gasto com combustível era de aproximadamente R$ 20 por dia; hoje o gasto passou a ser de R$ 35, por isso resolvi deixar o carro em casa e ir de transporte coletivo”, explica.
A professora relata que antes de todas as atividades serem liberadas, o transporte público estava vazio, mas depois tem enfrentado ônibus e trens lotados. “Eu tenho medo porque em casa fica a minha mãe, que é idosa e cuida dos meus filhos enquanto eu trabalho, temo pela saúde deles”, comenta. Usuária do vale-transporte, Sharlene economiza metade do valor das passagens e ao todo gasta R$ 11,40 por dia e ainda tem chegado mais rápido em casa por não pegar trânsito. Sharlene diz que tentou uma vez fazer o trajeto de casa à estação de trem, para não usar carro de aplicativo. “Eu pensei que se de carro levada 10 minutos, a pé levaria 20 ou até 30 minutos, mas deu bem mais, fora o cansaço, então não fiz mais”, diz.
Apesar do carro parado, Sharlene não pensa em vendê-lo. “Como tem minha mãe e meus filhos sempre pode ter uma emergência, então a gente precisa ter carro, além disso eu gosto bastante de dirigir”, afirma.
Carro só na garagem
Outro que gosta de dirigir, mas que teve que abrir mão disso para economizar é o representante comercial Marcos Bruder Santana, que mora em Diadema e trabalha em toda Grande São Paulo. Antes da pandemia, Santana chegava a rodar mais de 100 quilômetros por dia com seu carro na visita de clientes e ainda levava e buscava a esposa no trabalho. A emergência sanitária obrigou o casal a trabalhar em casa. Há poucos meses voltou a visitar clientes. “Antes eu gastava cerca de R$ 600 de gasolina por mês. Um tanque eu enchia com R$ 120 hoje custa mais de R$ 190. Agora o carro fica na garagem e eu uso ônibus, metrô e transporte por aplicativo, eu nunca pensei que faria isso”, diz Santana.
Por conta de outros custos que um carro traz, como manutenção e seguro, que levam a conta a cerca de R$ 1 mil por mês, o representante comercial pensou em vender seu automóvel e aplicar o dinheiro, mas logo desistiu da ideia. “Eu tenho mãe idosa e sogro também, então a gente tem que estar pronto para alguma urgência. Pensei em alugar, mas o custo não compensa. Antes, nos dias de folga, eu gostava de viajar com a esposa só para conhecer lugares diferentes ou para experimentar um prato em um restaurante, mas agora não dá mais. Pois além do combustível tem estacionamento, que também é caro, até para visitar a família, hoje sai mais barato chamar um motorista de aplicativo”, comenta.
Postos
Na outra ponta e também nada satisfeitos com os preços altos, que inibem as vendas, estão os donos dos postos de combustíveis, que ao longo dos últimos anos viram as margens de lucro encolherem. Além da situação nada favorável, os comerciantes ainda sofrem ofensas dos clientes, inconformados com os preços. “A gente tenta conversar e explicar que 44% do preço é composto por impostos estaduais e federais, os outros 56% são do valor do produto, transporte e a margem do revendedor”, explica Wagner Souza, presidente do Regran (Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do ABCDMRR).
Desde abril deste ano, os postos são obrigados a ostentar em local visível ao consumidor uma placa de 1 metro por 50 centímetros com informações detalhadas sobre os impostos e outros itens que compõem o preço do combustível. “Mas isso não impede as reclamações”, comenta o presidente do sindicato dos postos. Os preços altos e a preocupação do consumidor com o custo abrem espaço para postos, com atividade duvidosa, oferecerem preços atrativos e que podem ser armadilhas para o consumidor. “Como pode em menos de 500 metros de distância dois postos com a mesma bandeira venderem produtos com preços diferentes? Isso acontece e a gente sabe o porquê. Vemos estabelecimentos vendendo gasolina pelo preço que a gente paga para o fornecedor, com certeza esse não é um produto de qualidade, mas o consumidor compara só o preço, sem saber o que acontece”, ressalta.
Artigo de luxo
Apesar das atividades econômicas terem voltado praticamente ao normal, a venda de combustíveis ainda não decolou pelo fator preço. Segundo Wagner Souza, o setor ainda não conseguiu retomar o ritmo de vendas que tinha antes da pandemia. “Os preços subiram absurdamente, se não fosse isso já teríamos retomado o mesmo patamar. Para o revendedor é extremamente ruim essa situação de estar sempre aumentando; queremos vender barato para aumentar as vendas, mas hoje o combustível virou artigo de luxo”, declara.
Wagner Souza considera negativa a perspectiva para os próximos meses. “Eu gostaria de falar que consigo enxergar ao menos uma estabilidade nos preços, mas a inflação já está presente. Acredito que o governo fará alguma coisa, mas tudo depende do preço do barril do petróleo no mercado internacional”, comenta.
O preço da gasolina e do etanol também fazem os motoristas pensarem na conversão dos automóveis para o GNV (Gás Natural Veicular), mais barato. O produto, no entanto, não é encontrado em qualquer posto, além de reduzir a potência do carro que, se for novo, perde a garantia de fábrica. O custo da conversão é outro impeditivo, mais de R$ 4 mil, com instalação, inspeção e alteração no documento do veículo. “O movimento do GNV vai e volta. Agora está aquecido, mas o consumidor tem de ver que não tem em todo lugar já que o posto tem que ter um processo de abastecimento que requer muito cuidado e frentista preparado”, completa o presidente do Regran.