Caso DJ Ivis reforça a necessidade de denunciar a violência doméstica

O caso em que Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis, é acusado de agredir a mulher Pamela Holanda, ganha cada vez mais repercussão, com a divulgação das imagens em que o músico agride a esposa com socos e tapas. Os casos de violência doméstica têm registrado uma escalada nas estatísticas, principalmente desde o início da pandemia da covid-19. Porém os números não revelam casos novos, segundo a análise da delegada titular da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Diadema, Renata Cruppi. Segundo ela a pandemia fez mais casos chegarem às delegacias o que não quer dizer que são situações novas pois estudos mostram que a vítima demora em média 10 anos para conseguir sair do ciclo de violência a que é submetida.

Renata Cruppi participou do RDTv desta terça-feira (13/07) e foi entrevistada pelos jornalistas Carlos Carvalho e Leandro Amaral. A delegada contou que a mulher dificilmente vai fazer a denúncia quando é agredida, ela está subjugada e tem dificuldade de entender a situação. “Quando chega a denúncia na delegacia dificilmente é situação de flagrante. O Código de Processo Penal traz especificidades sobre como podemos agir imediatamente. É possível que, de acordo com as investigações o delegado pode solicitar a prisão com indícios de autoria e a certeza da materialidade por conta das marcas que ela tem”, comenta a delegada a respeito da situação de flagrante.

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Sobre o caso do DJ e dos vídeos que a imprensa divulgou, a delegada comentou que as imagens ajudam no trabalho da polícia e derruba qualquer tentativa do homem negar o ocorrido. “Todo elemento indicativo dos atos violentos é importante e válido, não apenas o vídeo, mas mensagens de whatsapp e de redes sociais. Todos esses elementos são importantes para serem apresentados, não só a testemunha ocular ou aquela que ouviu (as agressões) são importantes. A condução investigativa fica muito mais linear com esses elementos nos autos e a probabilidade de ter um indiciamento e chegar a uma sentença penal é muito maior. No caso das imagens fica muito nítido de visualizar os atos de agressão e difícil dele negar”, disse Renata.

A delegada conta que, quando acontece a agressão e o homem é enquadrado na Lei Maria da Penha a agressão não fica na parte simples do artigo do código penal infringido, mas entra na qualificadora em que a pena é maior, ou seja, não há possibilidade de pagar com cesta básica. “Precisa ver todo o contexto, quando ela vai denunciar fala só do que ocorreu naquele momento, mas é preciso entender como é relacionamento dela, pois quando diz que foi agredida, na verdade já sofreu outras violências. Quando começa com agressão pode ter uma lista de cinco ou seis outros crimes, inicialmente chega ao nosso conhecimento uma agressão, que é a segunda fase do ciclo da violência. A mulher já foi vítima de outros crimes até chegar a violência física”.

O ciclo da violência é fruto de um estudo desenvolvido pela psicóloga americana Lenore Walker, que mostra os passos percorridos até chegar à agressão física. “A primeira fase é a da tensão quando ela se sente constrangida com os atos do agressor. Depois ela começa a ser comparada com outras pessoas, desprezada e os atos desse homem faz com que ela não tenha certeza dos atos dela; nesse momento ele diz que não fez nada e tenta colocar a culpa na vítima. A mulher fica fragilizada, triste e ele fala que está maluca, que devia ter casado com outra. Depois começa a ofendê-la e ameaça-la e então chega na segunda fase que é a agressão propriamente dita”, explica a delegada.

Quando a agressão física acontece nas primeiras vezes o homem, se arrepende, tenta se desculpar com a mulher, esta é a chamada fase de lua de mel, mas a delegada da DDM de Diadema diz que isso é passageiro e a violência logo volta. “Vai começar a dissimular de forma que ela acredite que não agiu por mal, que vai agir de forma mais sensata, mas é difícil acreditar, pois ele não foi orientado, não teve nenhuma política pública para ressignificar seus pensamentos. Vai ser um tempo curto e vai voltar nesse ciclo”.

De acordo com a delegada, com base na sua experiência no dia a dia da delegacia, nesta segunda fase é que acontecem os feminicídios. “Mulher demora, em média, dez anos para sair no ciclo da violência. Quando para na segunda fase é porque teve o feminicídio. Quando ele está na explosão da violência, com o alto nível de stress, ele passa a não ter mais controle e chega no nível do feminicídio e, em muitos casos, quando percebe o que fez não aguenta e comete o suicídio”.

Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha é uma das mais avançadas do mundo, mas ainda não é totalmente aplicada e por isso no país muitas mulheres morrem pelas mãos dos companheiros. “A lei é a terceira melhor, estamos ladeados com Espanha e Chile. O grande problema é a efetivação da lei no Brasil, os artigos não são aplicados na prática por isso temos a terceira melhor lei, mas somos o quinto país em que mais se mata mulheres. Precisamos de mais políticas públicas; temos diversos serviços municipais e estaduais em que conseguimos acolher a mulher e os filhos, mas não temos muitos montados para o homem. É preciso intensificar as políticas públicas, reforçar a questão do ensino, do respeito, de olhar para o outro com igualdade de condições”, diz a delegada.

Renata Cruppi é delegada titular da DDM de Diadema (Foto: Reprodução)

Renata Cruppi também considera importante o trabalho dos municípios em parceria com o estado e as DDMs para divulgar os atendimentos, pois muitas vezes a mulher não sai da situação de violência por não ter um emprego ou como se manter. “Ela tem que estar fortalecida para se manter, ter a autonomia financeira”.

A delegada reforça que o ditado que diz “Em briga de marido e mulher não se mete a colher” merece uma releitura. “Quando há violência não há mais relacionamento. Tem que acolher essa mulher porque não tem mais relacionamento;  é um cárcere emocional que ela está vivendo. Em tempos de pandemia ficou pior ainda, o lugar mais perigoso para a mulher é a casa. Os casos podem ser denunciados no aplicativo Direitos Humanos BR, ou Direitos Humanos Brasil e por ali podem ser enviados documentos que vão ser enviados para a delegacia que vai investigar”, explica. A denúncia também pode ser feita através do telefone 180.

A mulher também pode se prevenir. A delegada dá dicas de como identificar que a relação começa a ficar tóxica. “Tem que ficar de olho no ciúme e no controle. Se tem namorado e ele quer saber tudo da sua vida, tem que ficar esperta. Se ele quiser suas senhas é controle e ele também pode querer afastá-la dos amigos, isso começa quando ele diz que não gosta de tal amigo. A mulher acaba cedendo e vê depois que se afastou de todos, depois vem a família. É um alerta quando ele diz para não sair com determinada roupa ou para não usar maquiagem. Num relacionamento é preciso respeitar as particularidades da pessoa com quem está se relacionando, os dois tem que se completar”, conclui Renata Cruppi.

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