Cerca de 290 mil consumidores estão negativados no ABC e dívida média é R$ 200

Alexandre Damasio, presidente da CDL de São Caetano, falou sobre o levantamento inédito no ABC. (Foto: Reprodução)

Levantamento realizado pelo SPC Brasil e pela CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de São Caetano mostra que 35% dos consumidores negativados, com nome inscrito no cadastro de devedores, têm dívidas de, em média, R$ 200. São cerca de 290 mil consumidores negativados no ABC, no primeiro trimestre deste ano, uma alta de 142,51% sobre o mesmo período do ano passado. Mas apesar do volume, essa pode ser apenas a ponta de um iceberg, visto que nem todas as dívidas são protestadas e sem falar que as pessoas jurídicas estão fora do estudo.

Alexandre Damasio, presidente da CDL de São Caetano, chama atenção para o represamento de uma demanda de protestos, que teve início com a pandemia e foi até outubro. “As empresas de crédito neste período não puderam negativar, nem as empresas prestadoras de serviço, como água, gás e o comércio. O tíquete médio de R$ 200 reflete bem isso as contas de consumo público”, comenta. Damásio também aponta que o pico do número de devedores foi em janeiro, que pode ser reflexo dos gastos maiores no fim de ano. “O fato de os consumidores saberem pouco ou nada sobre o valor das suas contas básicas e desconhecerem o orçamento doméstico é um fator que aumenta significativamente a chance de inadimplência”, destaca.

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Para o advogado e especialista em direito do consumidor, Arthur Rollo, o aumento do endividamento ou superendividamento é fato e um projeto de lei que aguarda apenas uma sanção presidencial visa melhorar a negociação da dívida. “O projeto trata da falência civil das pessoas físicas ao estabelecer prazos de moratória e negociação para que o consumidor possa se reorganizar. Muito do endividamento está ligado a juros do cartão de crédito, e do cheque especial que são dívidas são absolutamente impagáveis. Esses devedores que têm dívidas menores, quando têm uma oportunidade, pagam, ficam com o nome sujo um certo tempo, mas eles estabelecem como meta de vida a limpeza do nome. O problema são os  grandes devedores”, analisa.

Arthur Rollo é advogado especialista em direito do consumidor (Foto: Instragram)

Para o advogado, muitas práticas do mercado financeiro são armadilhas para o consumidor incauto. “Esse superendividamento tem muito a ver com a ilegalidade na oferta de empréstimos consignados, tem a ver com lojas que vendem a prazo e que dão a corda para o consumidor se enforcar. Essas práticas abusivas, que atingem principalmente os mais vulneráveis, são condutas prejudiciais ao consumidor”, aponta Arthur Rollo.

A diretora do Procon de Santo André, Doroti Cavalini, também falou das armadilhas do cartão de crédito e das ofertas de crédito consignado. “Tem idoso que chega no Procon com sete contratos de crédito”, comenta. Para Doroti, falta conhecimento sobre como lidar com o dinheiro e isso é feito no atendimento do Procon andreense, com o objetivo de que as pessoas não só resolvam o problema atual, mas que não voltem a se endividar. “Até para propor a negociação é preciso se preparar, tem que ter algum dinheiro para começar. Ontem atendi uma senhora com uma dívida de R$ 8 mil no cartão de uma loja e queria pagar R$ 50 por mês, essa é uma proposta que logicamente não seria aceita. Por isso que já no atendimento vamos orientando a pessoa a fazer uma planilha de gastos e ir guardando um pouco para uma emergência”, diz a diretora.

O levantamento mostrou, além do endividamento médio, que 54% dos negativados são mulheres. Doroti já percebeu o perfil no Procon. “O número de mulheres que nos procuram hoje é bem maior, isso porque elas perderam emprego ou aquele trabalho informal que ajudava no orçamento da casa. São muitas as dívidas com as prestadoras de serviço, como a Enel, e o Procon tem um canal direto com as empresas e conseguimos negociar; é bom porque o credor recebe e evita um trabalho enorme de cobrar e é bom para o consumidor também”, diz.

Represamento passado

Alexandre Damasio aponta é que o tíquete médio baixo, pode ser reflexo do represamento do ano passado, quando não se podia negativar, e também da falta de recursos do credor para cobrar. “O empresário tem pouco dinheiro e hoje ficou caro para cobrar”, diz o presidente da CDL de São Caetano.

Para o professor Vinicius Oliveira Silva, da Escola de Negócios da USCS (Universidade de São Caetano do Sul), pesquisador do Observatório Conjuscs e especialista do Procon de São Paulo, a falta de dinheiro do credor pode também estimular uma cobrança mais precoce. “Pode ser por conta do represamento do ano passado que os credores, ao menor indício de não receber, já negativam, para não ficar sem possibilidade de fazer isso no futuro. Então com a primeira parcela em atraso ou o mínimo de endividamento, quando já é possível negativar, eles parecem já estar fazendo dessa forma. Com o auxílio emergencial mais para o final do ano o consumidor passou a colocar mais as contas em dia, mas com o final dele e o aumento da inflação isso fez com que muitos não conseguissem pagar os acordos”, diz o professor.

Vinícius Silva considera o levantamento importante para o estabelecimento de políticas públicas pelos municípios. (Foto: George Garcia)

Sobre as dívidas dos serviços públicos, como contas de água e luz, o professor da USCS considera que a regulação a que as empresas estão submetidas não deixam muita margem para negociação, portanto se o consumidor precisar de um parcelamento maior pode não conseguir. “Uma possibilidade interessante é ver se essas empresas participam dos feirões de negociação de dívidas. Já com as empresas de internet e telefonia a maleabilidade é maior, geralmente têm uma vontade maior de negociar”, explica Vinicius Oliveira Silva.

O presidente da CDL aponta que o estudo apresentado sobre o endividamento vai ser muito importante para os municípios planejarem políticas públicas. “Pode-se por exemplo estimular a criação de fintechs especializadas, por exemplo, na negociação de pequenos devedores. Isso pode dar certo e é uma oportunidade de negócios”, sugere Damasio.

“O levantamento aponta o problema, mas é preciso saber o que está acontecendo com a população, porque ela está se endividando. Aí o poder público faz um diagnóstico adequado, dá um suporte social, por exemplo, então esse mecanismo para mensurar quem é o devedor é bastante importante para as prefeituras fazerem polícias públicas para inserir esse consumidor no mercado e, indiretamente, ajuda até o comércio local”, completa o professor Vinicius Oliveira Silva.

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