Com Congresso hostil, ‘conservadores’ disputam a presidência do Peru

De um lado, jogadores de futebol, antigos políticos e alguns empresários, além do Nobel de Literatura e colunista do jornal O Estado de S. Paulo Mario Vargas Llosa, endossam a candidatura de Keiko Fujimori e sua agenda voltada à recuperação econômica do Peru. Do outro, professores, sindicatos, setores do campo e políticos de esquerda apoiam Pedro Castillo e sua agenda de um Estado mais atuante.

Em meio à pandemia e um Congresso rachado, os eleitores escolherão neste domingo, 6, o presidente do Peru entre dois candidatos que têm projetos econômicos opostos, mas posições conservadoras em relação aos costumes.

Newsletter RD

Castillo, de uma esquerda radical que se aproxima do chavismo na Venezuela, e Keiko, da direita conservadora, encerraram a campanha pedindo aos peruanos que não deixem de votar. Mas nenhum deles representa a maioria do eleitorado – Castillo venceu o primeiro turno com 18,9% votos e Keiko teve 13,4% – e quem quer que seja eleito terá o desafio de buscar acordos com o Congresso e conter a crise que levou o país a ter quatro presidentes desde 2018.

“Não podemos esquecer que eles representam minorias do país, as minorias mais importantes, mas ainda assim minorias. Nenhum obteve 20% ou mais dos votos. Com isso, não acredito que haja condição, no curto prazo, para existir uma aliança nacional. A sociedade em seu conjunto está muito ferida, essa campanha insultou e rechaçou o contrário”, explicou o cientista político peruano Carlos Meléndez ao jornal O Estado de S. Paulo.

Um dos temas que expõem as diferenças entre os dois é o discurso sobre o combate à covid-19. Keiko fala em parcerias público-privadas para a compra de imunizantes de qualquer origem. Castillo, por sua vez, tem uma visão mais estadista e fala em comprar vacinas de países com o mesmo alinhamento ideológico, como China e Rússia.

Mas uma abordagem em comum entre os dois é a sobre a imigração venezuelana. “Keiko usa muito isso para aflorar os medos, diz que Castillo terá um modelo comunista para tratar do assunto. Castillo disse ao encerrar a campanha que expulsará todos os venezuelanos associados a delitos”, diz Meléndez.

Surpresa do campo

Castillo foi a grande surpresa da eleição, nenhuma pesquisa ou analista falava em tê-lo na disputa do segundo turno. Nascido na região de Cajamarca, o professor primário e ativista liderou o primeiro turno representando a extrema esquerda e prometendo políticas marxistas e leninistas.

Com 51 anos, Castillo nega ser chavista, mas defende um papel econômico ativo do Estado na economia. O professor representa hoje uma ala que diz ser uma opção ao establishment político, mas tem práticas populistas que preocupam setores peruanos.

“Em um momento, (Castillo) disse que dissolveria o Congresso, em outro que dissolveria o Tribunal Constitucional ou a Defensoria do Povo, mas nunca disse por meio de qual mecanismo. A nossa Constituição não permite a dissolução do Tribunal ou da Defensoria, apenas do Congresso, segundo as normas que mencionei. Há um temor de que Castillo não respeite a institucionalidade democrática. Há setores preocupados com o Estado de Direito e isso causa instabilidade política e jurídica”, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo o advogado penalista Carlos Caro Coira.

“Se considerarmos populista aquele que adota um discurso de divisão, no qual o povo é o máximo soberano do país, Castillo representa isso perfeitamente. Acho até que é mais populista do que comunista, ele é um líder de assembleias, criado em protestos e greves”, diz Melendez.

Um cenário de avanço da pandemia e da diferença social no país, a descrença com a política tradicional, somada ao descontentamento da ala do campo, que se sente abandonada por Lima, pode levar à vitória do professor de origem camponesa.

Continuidade

Representando o establishment político e a continuidade do projeto neoliberal de seu pai, Alberto Fujimori, Keiko chega ao segundo turno apesar de ser acusada de lavagem de dinheiro e ver seu partido envolvido com o escândalo da Lava Jato peruana. “Não queremos que o país fique nas mãos de um comunista”, disse à AFP Cecilia Yep, comerciante de 52 anos, filha de imigrantes chineses, ao explicar por que apoia Keiko.

“O fujimorismo de Alberto foi populista, tinha o mesmo discurso antiestablishment, mas com o tempo foi mudando. Hoje, Keiko é a que melhor representa o status quo. O abraço de Álvaro Vargas Llosa e Keiko na quinta-feira é uma demonstração de reconciliação para o mercado financeiro. Keiko defende a Constituição de 1993, o modelo econômico neoliberal”, diz Melendez.

Com 46 anos, Keiko já havia se candidatado em 2011 e 2016. Chegou a ser detida no âmbito do escândalo de corrupção envolvendo a Odebrecht, mas chega ao segundo turno em empate técnico com Castillo.

Apesar de ter os maiores índices de rejeição entre os candidatos, a recuperação econômica e o combate à covid-19, combinados com o apoio de grupos leais ao fujimorismo e movimentos como o de Vargas Llosa, que pede o voto de Keiko para manter o país no atual rumo, podem levar Keiko à presidência.

Valores mantidos

Seja Castillo ou seja Keiko, o povo peruano não sentirá muita diferença quando o tema é política social. Castillo é contra a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do aborto e da eutanásia. Keiko defende “mão dura” com a questão de segurança e defende uma “demodura”, ou “democracia dura”.

“Esses temas não são muito discutidos aqui. O Peru não fez parte da onda progressista que tomou países da América do Sul, como Argentina, Uruguai e Chile. Lamentavelmente, a classe média peruana, de forma geral, é muito conservadora. Aqui, como no Brasil, os setores conservadores têm grande capacidade de mobilização”, afirma Meléndez.

Receba notícias do ABC diariamente em seu telefone.
Envie a mensagem “receber” via WhatsApp para o número 11 99927-5496.

Compartilhar nas redes