Pandemia acentuou desigualdades da mulher no mercado de trabalho

Mulheres precisam demonstrar a todo momento que têm a mesma capacidade de trabalho dos homens. (Foto: Banco de Imagens)

Se a pandemia trouxe enormes desafios para o mercado de trabalho, para a mulher as dificuldades se potencializam. No ambiente de trabalho, ganha menos que o homem, trabalha muitas vezes mais, cuida do lar e dos filhos, sofre assédio e, se não bastasse tudo isso, a violência contra a mulher aumentou com a pandemia.

Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do governo federal, mostram que em janeiro deste ano a mulher sofreu mais com desemprego. No ABC, o saldo naquele mês foi de 5.990 postos de trabalho. Mas o número foi mais positivo para os homens: 3.384 contra as 2.156 vagas ocupadas por mulheres. O saldo é a diferença entre os admitidos e demitidos no período, logo as mulheres perderam mais.

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Com o fechamento de postos de trabalho, arrumar emprego ficou mais difícil e competitiva. Até nas entrevistas, o preconceito aparece com perguntas feitas somente às candidatas. “As que trabalham reclamam do assédio e acúmulo de funções, as que estão em busca de trabalho passam por uma situação que mais parece um controle de natalidade, perguntam se tem filhos, quantos são, o tipo de pergunta que não fazem a um homem”, afirma Regiane Soares, psicóloga e feminista de Mauá.

Regiane Soares é psicóloga, com consultório em Mauá, e também feminista. (Foto: Rede Social)

Segundo Regiane, no consultório as mulheres se queixam do assédio no trabalho. Diz que aumentou muito a cobrança social para que a mulher produza muito para ser vista e produzir muito gera adoecimento. Na pandemia, comenta, muitas empresas, principalmente o comércio, fecharam, e as primeiras a serem demitidas foram as mulheres.  “Com isso, elas tiveram de se reinventar, partiram para fazer coisas em casa como artesanato e doces para vender. Mesmo as que trabalham em casa, com o marido desempregado, terminam o expediente e seguem para outras atividades para completar a renda. Neste ponto a mulher é mais versátil que o homem, principalmente a negra, que desde sempre se acostumou a lidar com as dificuldades do mercado de trabalho”, afirma

Mais destemida

A advogada Maria Luiza Monteiro Canale aponta que a pandemia agravou o assédio moral contra as mulheres no ambiente de trabalho. “A pandemia trouxe desemprego enquanto muitos homens foram demitidos, muitas ficaram e assumiram seus lugares, porque ganham menos, com isso vem o acúmulo de funções. Em casa, se o homem perdeu o emprego e a receita da família caiu, a mulher termina o seu serviço e assume outro, faz doces e salgados para vender, faz chocolate, ou outra coisa e o homem faz as entregas. A mulher se reinventa e é mais destemida”, avalia.

Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com base em dados de 2018, mostra que a mulher ganhava, em média, 79,5% do salário do homem, situação que praticamente não se alterou na década. O estudo aponta que quanto mais idade tem a mulher menor é o seu salário em relação ao do homem. Em 2018, a mulher ocupada de 25 a 29 anos de idade recebia 86,9% do rendimento médio do homem; a de 30 a 39 anos chegava a 81,6% e a de 40 a 49 anos baixava para 74,9%.

Para Regiane, a pesquisa ilustra bem o preconceito com a mulher no mercado de trabalho. “Enquanto você for jovem e bonita e puder produzir filhos tem um valor. O homem é considerado um trabalhador mais produtivo e a mulher reprodutiva. Na sociedade se criou essa divisão do trabalho para homem e trabalho de mulher; sendo o do homem mais privilegiado e o da mulher, que fica mais com trabalhos ligados à limpeza, educação e saúde, como se fosse uma extensão do trabalho doméstico. Ficaram para as mulheres os trabalhos mais mal pagos. Até as que conseguem cargos de liderança são subjugadas por serem mulheres”, comenta a psicóloga.

Até no Direito

O machismo está presente até nas profissões onde a mulher já conquistou mais espaço. A própria advogada Maria Luiza disse que já foi vítima de preconceito dos próprios colegas. “Às vezes a gente precisa ser mais incisiva na frente de um juiz, isso surpreende o colega que está do outro lado, que muitas vezes pede calma, diz que estou nervosa e fala isso num tom pejorativo, quando na verdade só estou defendendo o cliente”, conta Maria Luiza.

Para ambas as profissionais, o fim do preconceito contra a mulher no ambiente de trabalho passa pela desconstrução do modelo que a sociedade faz sobre o papel da mulher. “Para uma sociedade mais igualitária é preciso tirar esse peso da mulher, de que ela precisa sempre fazer mais para ser notada. Assim se avança na equidade. Por isso, só temos mais motivos para continuar a luta, principalmente as mulheres que são mães”, diz Regiane Soares. “Ainda há preconceito quanto ao reconhecimento de que a mulher tem capacidades de trabalho iguais às dos homens”, completa Maria Luiza Canale.

Violência aumenta 

Maria Luiza Monteiro Canale é integrante da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e confirma os estudos de que, além da competição desleal no mercado de trabalho, a mulher enfrenta uma situação de violência aumentada durante a pandemia. “Em Santo André, os boletins de ocorrência entre 2019 e 2020 se mantiveram, foram 1.815 e 1.734 respectivamente, mas o número de medidas protetivas saltou de 766 para 978,  uma alta de 27,7%. O número de ocorrências também aumentou por meio eletrônico. É a mulher que pega o celular, se tranca no banheiro e denuncia”, conta.

Enquanto isso, os programas criados para orientar os homens agressores pararam na pandemia. Segundo Maria Luiza, os programas ‘E Agora José’, no fórum de Santo André, e o ‘Pare’, nas delegacias da mulher, suspenderam as aulas e palestras. “Já percebemos que com isso está ocorrendo a reincidência, não com a mesma mulher ou ex-companheira, porque há uma medida protetiva nesses casos, mas contra outras mulheres”, completa a advogada.

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