Livros de Itamar Assumpção para crianças começam a sair do baú do músico

A certa altura da vida, possivelmente na virada dos anos 1990, um inquieto Itamar Assumpção decidiu que escreveria histórias para crianças. Fez uma primeira, sobre formigas, e mandou para a poeta Alice Ruiz S ver o que ela achava. Era enorme, ele ouviu – e pediu para ela deixar “do jeito que criança gosta”.

Alice editou o texto, sugeriu um título e devolveu a história para o amigo, mas os dois não conversaram mais sobre isso. Afinal, como ela recorda agora 20 anos depois, Itamar tinha coisas mais urgentes com que lidar. O câncer avançava. O músico morreu em 2003, aos 53, e o sonho dele se tornou projeto de sua filha Anelis que apresenta este mês o primeiro livro da coleção Itamar Para Crianças: Homem-Bicho, Bicho-Homem. A Formiga É Formidável deve sair ainda este ano.

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Ao lado de Anelis na tarefa de transformar os cadernos de Itamar em livros para crianças estão a própria Alice e Isabel Malzoni, editora da Caixote, responsáveis pela edição dos textos, e o artista visual e educador Dalton Paula, que ilustrou este primeiro livro e já trabalha nos próximos O Jabuti, A Formiga É Formidável e As Borboletas. Todos seres que habitavam o quintal de sua infância, em Tietê, o quintal onde viu crescer suas filhas Anelis e Serena (1977-2016), na Penha, e o da imaginação.

“Meu pai era uma pessoa que vivia plantando e replantando. Em casa, o quintal sempre foi mais importante do que os quartos. A gente teve um jabuti. Meu pai podia passar horas esperando um botão de flor nascer, nos acordava de madrugada para ver também e ficava frustrado quando pegava no sono e perdia. O mesmo acontecia com os casulos. E ele cuidava das plantas que estavam doentes. Aprendi coisas do mundo ali”, conta Anelis, cantora como o pai.

“Um dos principais ensinamentos do meu pai, sem que ele tivesse usado essas palavras ou alguma formalidade, foi: observe a natureza, veja como ela é esplêndida, como tudo melhora quando estamos perto dela”, conta Anelis – hoje, é ela quem vê sua filha mais velha cuidando de sua própria coleção de suculentas ou parando para observar uma flor abrindo. É tudo circular.

Livro

Anelis conta que o pai, quando ia começar uma história, procurava um caderno brochura na papelaria com motivo de animal na capa, cortava quadrado, como queria que o livro fosse, escrevia seu nome na frente e começava o trabalho. Apenas o primeiro que ele idealizou é mais elaborado do que isso, e Anelis ainda espera poder publicar o da formiga tal qual Itamar planejou – com uma gravação que ele fez com Elke Maravilha, em quatro línguas e em braile. Um projeto mais caro.

“Os livros parecem uma continuação do pensamento dele. Tem uma adaptação na linguagem, mas o pensamento sempre foi o mesmo e muito claro. Itamar continua sendo muito Itamar, fiel ao seu compromisso com o novo, com a ruptura, com o questionamento e a provocação. Isso está em sua linguagem infantil também”, comenta Alice Ruiz S.

Para a poeta e amiga, Itamar, nome importante da Vanguarda Paulista, não tinha nada de óbvio – como Dalton Paula também não tem. Homem-Bicho, Bicho-Homem é o primeiro trabalho para crianças deste artista nascido em 1982 em Brasília e que vive em Goiânia. A ideia, ele conta, foi trazer o lúdico e a fabulação, presentes no universo infantil, dentro de uma cosmovisão africana. E deixa um desafio ao leitor de todas as idades: descobrir as camadas de seu trabalho.

“Homem-Bicho, Bicho-Homem remete às matas, a uma relação de amizade e ao mesmo tempo de necessidade – de alimento, de corpo e alma -, e aprendizado. É como uma floresta encantada, onde vamos encontrando personagens e personalidades”, diz Dalton.

Foi na adolescência, essa época de desencontros e descobertas, que Itamar Assumpção surgiu para Dalton Paula. Ele se sentia incomodado com o que lhe era oferecido culturalmente ou como referência. “Comecei a descobrir outros caminhos e Itamar estava lá, com toda essa questão da representatividade. Ouvindo suas músicas, tudo começou a fazer mais sentido.”

HOMEM-BICHO,BICHO-HOMEM
Autor: Itamar Assumpção
Editora: Caixote
(32 págs.;R$ 52)

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