*Por Fernando Calmon
Depois de conhecidos os números de produção e exportação no primeiro mês do ano já deu para vislumbrar que 2021 terá forte
recuperação. Como 2020 foi um ano atípico em razão da pandemia que começou a afetar o mercado e principalmente os
emplacamentos só a partir de março, a comparação traz números animadores. Ao contrário das vendas, que dependem de dias úteis,
a indústria conseguiu lidar com a escassez de componentes (e de semicondutores, problema mundial) por meio de horas extras,
trabalho no sábado e suspensão de férias. O aumento de produção foi de 4,2% e das exportações, 22%. Esse último indicador reflete
a desvalorização cambial que impulsiona vendas ao exterior.
Para quem quer adquirir um automóvel novo, no entanto, a espera deve continuar. A indústria e as concessionárias continuam com
estoques muitos baixos: apenas 18 dias, metade do velho normal. Será difícil mudar os hábitos do consumidor. Ao contrário dos
europeus que costumam planejar a troca do veículo com até um ano de antecedência, o brasileiro tem perfil mais parecido com o
comprador americano. Se as entregas demoram muito, pode desistir ou comprar um seminovo. Esse comportamento tem
pressionado os preços no mercado de usados em geral.
A procura acima do esperado também sofre influência dos aumentos de preços. O comprador já percebeu que o dólar caro será
repassado e tenta se antecipar. Nos próximos meses, deverá haver uma acomodação à medida que a cadeia de suprimentos se
readaptar, além de vacinação em massa aumentar a confiança.
Fevereiro, em particular, mês curto e influenciado pelo Carnaval (este ano fora dos padrões habituais) tem histórico de
comercialização fraca. Espera-se, pelo menos, que a importação de semicondutores essenciais para a eletrônica de bordo de qualquer
veículo volte à normalidade. Se este gargalo for superado logo, a produção continuará a subir.
ALGO ESTÁ FORA DOS EIXOS
Em geral, a Anfavea tem posições discretas quando se trata de questões relacionadas aos governos. Depois de uma entrevista
desastrada De Carlos von Doellinger, do Ipea, “instituto que pesquisa e planeja o futuro do país” como está em seu site, a entidade
tomou uma rara atitude de confrontar abertamente números e ideias. De fato, a indústria automobilística no Brasil é a mais taxada
do mundo, embora alguns ainda subestimem. Na realidade, digo logo, quem paga é o comprador. Considerando o alto valor agregado
de um veículo, os impostos representaram 11 vezes mais que os incentivos federais entre 2010 e 2020. Está em estatísticas oficiais,
mas nunca apresentadas dessa forma.
O cerne da questão é simples. Se o Brasil não precisa mesmo da indústria automobilística, pode se livrar dela e importar três milhões
de veículos por ano sem criar enormes dificuldades cambial e fiscal? Nos EUA, dois dos três grandes grupos automobilísticos
nacionais faliram na crise das hipotecas de 2008/2009. O governo americano teve de despejar dinheiro público para recuperar não
só as empresas, mas os empregos. Independentemente dos erros cometidos pelas fabricantes locais, concorrentes estrangeiros
receberam incentivos nababescos dos governos estaduais. A “conta” foi tão alta e pulverizada que até hoje não pôde ser calculada.
Mesmo porque alguns incentivos são invisíveis ou incontabilizáveis.
Embora o País não tenha, nem de longe, condições de importar tudo o que é produzido, o mercado interno continua um ativo de alto
valor. E ainda com grande potencial de crescer, a exemplo da taxa de motorização (4,5 habitantes por veículo, atrás do México e da
Argentina). Acredito que não há um risco de desindustrialização neste setor, pois retórica governamental não resolve problemas.
Mas quando a Ford resolve trocar a produção no Brasil pela África do Sul e continuar a fabricar na Argentina, ambos nem entre os 10
maiores produtores mundiais, alguma coisa aqui pode estar fora dos eixos.
ALTA RODA
COMO comentei anteriormente, Apple e Hyundai não estão tão próximas assim de colaboração para veículos autônomos. Ora se diz
que Apple quer sondar outros fabricantes (Mercedes-Benz), ora que Hyundai direcionou o eventual acordo para a subsidiária Kia.
Apple Car, se existir, pode não passar de desenvolvimento de sistema autônomo para licenciar e dividir a receita de serviços com
alguma fabricante de veículos sem capacidade de investir nesta área de valores e riscos muito altos.
PROXIMIDADE histórica de Audi e Porsche se reproduz também nas arquiteturas elétricas. É o caso dos sedãs de quatro portas Audi
e-tron GT quattro e Audi RS e-tron GT que, além de compartilharem motores, baterias e até o câmbio automático de duas marchas,
apresentam dimensões praticamente iguais às do Taycan. O estilo, porém, é tipicamente Audi e bem diferente do modelo da Porsche.
Resta ver o posicionamento de preços, quando chegarem ainda este ano ao Brasil. As duas fabricantes alemãs têm como alvo o Tesla
S, antes sem concorrentes diretos.
Fernando Calmon é engenheiro e jornalista especializado desde 1967- www.fernandocalmon.com.br