Enquanto o governo federal prevê corte de repasses para os municípios no próximo ano, as cidades acumulam dívida ativa, que é composta de tributos não pagos. Estudo que integra a 14ª Carta de Conjuntura da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), apresentada nesta terça-feira (27/10), mostra que entre 2015 e 2019 o ABC teve um aumento de 37% de tributos não recebidos. Para o cientista econômico e um dos autores do estudo, Francisco Funcia, a situação revela falta de investimento na área de finanças dos municípios para uma arrecadação mais eficiente. O caso mais grave no ABC é o de Mauá, onde a dívida ativa acumulada equivale a 734% da sua receita própria.
Para Funcia a cobrança efetiva dessa dívida ativa pode ser a única forma de salvar as cidades, sobretudo na gestão da saúde em 2021. “Mais eficiência na cobrança poderia melhorar muito a capacidade de investimento próprio na saúde. Com a emenda 95 o governo federal já assinala que vai cortar despesas e isso vai trazer a necessidade maior do município fortalecer sua receita própria”, analisa o professor da USCS.
O estudo mostra que o volume da dívida ativa dos municípios aumentou em percentual muito maior do que o gasto em saúde com recursos próprios dos municípios. O valor consolidado do estoque da dívida ativa dos municípios do ABC representou 5,43 vezes os gastos municipais com Ações e Serviços Públicos de Saúde, no ano de 2015, quatro anos depois a dívida ativa já era 7,28 vezes o gasto municipal na mesma área.
Outra comparação é que o valor devido pelos contribuintes que acabaram no cadastro da dívida ativa dos municípios do ABC somava em 2019 R$ 13,1 bilhões, o que é R$ 2 bilhões a mais do que a receita corrente das sete cidades. Entre 2015 e 2019 apenas em Ribeirão Pires a dívida ativa caiu, passando de R$ 103 milhões para R$ 83 milhões.
A comparação entre a receita própria e o estoque da dívida ativa em 2019 mostra que, com exceção de Ribeirão Pires e São Caetano, em que há um equilíbrio entre a receita própria e o estoque da dívida ativa, os demais municípios têm um estoque muito superior às suas receitas próprias. Em São Bernardo, essa relação está acima de 230% desde 2015 e em Santo André supera os 140% nos últimos três anos; Diadema tem uma média superior a 300%, mas Mauá, por sua vez, apresenta a situação mais grave: de 485% em 2015, passou para 734% em 2019; e, por fim, Rio Grande da Serra que tem uma variação entre 146% e 344% no período analisado.
União
O estudo da USCS também analisa a dívida ativa da União, que chegou a R$ 2,4 trilhões em 2019. Esse valor é devido por 4,9 milhões de devedores, sendo que 22,4 mil são considerados grandes devedores, estes são aqueles que devem mais de R$ 10 milhões. O montante da dívida ativa federal subiu 33% entre 2015 e 2019, ao passo que o percentual de devedores aumentou 40% e de grandes devedores 21%. “A imagem do fisco é sempre atrelada a eficiência, exemplo da imagem do leão para o imposto de renda, mas percebemos uma certa fragilidade, percebe-se muito mais uma tendência de anistiar do que de uma campanha para cobrar. A chave disso tanto na esfera federal como nos municípios é um melhor cadastro de contribuintes e investimento na equipe de finanças, que em geral são muito deficientes”, conclui o professor Francisco Funcia.
O que dizem as prefeituras:
Diadema
Em Diadema, onde a dívida ativa estava em R$ 1,7 bilhão em dezembro de 2019, a prefeitura admite que a busca da eficiência na cobrança dos tributos não pagos pode ser a solução para a queda de receita dos últimos anos, que foi agravada em 2020 pela pandemia. “Diadema já sofria com crises econômicas anteriores e o município experimentava uma breve e tímida recuperação nos últimos anos. Com a crise econômica provocada pela pandemia, com certeza espera-se que a recuperação da Dívida Ativa auxilie a enfrentar as consequências econômicas da pandemia. Contudo, será preciso que o Estado e a União promovam medidas para auxiliar as finanças municipais, ainda que de forma indireta, custeando despesas que hoje são enfrentadas pela receita do próprio município”, sustentou a administração em nota.
A prefeitura diademense informa também que a cobrança da dívida ativa foi intensificada junto aos demais impostos devidos, não se restringindo a IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza). “Os débitos, após esgotadas todas as formas de negociação e cobrança, são colocados em protesto na justiça. Em dezembro de 2019, Diadema criou o Diadema Resolve, que utiliza métodos de conciliação para a negociação de débitos inscritos em Dívida Ativa. Para viabilizar o pagamento, também foi renovada a Lei permanente de parcelamento de débitos, que permitiu a aprovação de Leis de Parcelamento Incentivado. Todos esses programas de parcelamento integrado permitiram que Diadema realizasse mais de 49 mil acordos para pagamentos de dívidas que voltarão aos cofres públicos (mais de R$ 66 milhões)”, sustenta a prefeitura em nota.
São Caetano
São Caetano, cidade que tinha R$ 973 milhões em dívidas ativas a receber no último mês de 2019, diz que tem efetuado campanhas de cobrança amigável com notificação via carta com boleto; Programas de Parcelamento Incentivado, Audiências de Conciliação em parceria com a CEJUSC e parcelamento de débitos via cartão de crédito. A prefeitura também informou em nota que 80% do total da dívida ativa está concentrada nos grandes devedores. “Temos todo o interesse em trabalhar na busca pela recuperação da dívida ativa, na medida em que não há espaço para aumento de carga tributária. Então, a alternativa possível é buscar daqueles que não têm pago. No entanto, sabemos que também haverá uma dificuldade do próprio contribuinte em si em responder a estas buscas arrecadatórias, mas o papel do município é buscar dinheiro e nós vamos tentar com todas as nossas forças”, destacou a administração em nota.
São Bernardo
A prefeitura de São Bernardo tem R$ 4,8 bilhões de dívida ativa para receber. Apesar do montante ter uma variação muito pequena nos cinco anos pesquisados, o valor é o maior dentre as prefeituras do ABC. Em nota enviada ao RD, a administração sustenta que tem incentivado o pagamento de débitos através de vários programas municipais.
“A prefeitura de São Bernardo tem trabalhado para evitar que os débitos dos contribuintes sejam inscritos em dívida ativa. Para isso, investe em mecanismos de cobrança amigável, como a Câmara de Conciliação. Além disso, a atual administração criou ações para incentivo à adimplência, como o Programa Nota 1000, o IPTU Fidelidade e o Programa de Regularização Tributária, além da disponibilização de serviços interativos no Portal do Município e no aplicativo na Palma da mão, além de facilitar os pagamentos”, diz o informe.
A prefeitura de São Bernardo disse ainda que os maiores componentes da dívida ativa são o IPTU e o ISS e que durante a pandemia adotou posição de contenção de despesas como redução de contratos e revisão de reajustes, entre outras providências. “(Ações) que estão possibilitando a manutenção das contas em dia e projeções de fechamento em consonância com o equilíbrio fiscal exigido pelo rigor da Lei de Responsabilidade Fiscal”, sustentou a administração.
Santo André
Santo André, que viu em cinco anos a dívida ativa dobrar, passado de R$ 1,2 bi em 2015 para R$ 2,4 bi em 2019, informa que implementou ações com o objetivo de aperfeiçoar seus instrumentos de arrecadação e fiscalização, visando a diminuição de inconsistências (cadastramento, atualização de dados e outras). A cidade também informa que fez estudos para conhecer o perfil dos devedores para buscar formas eficazes de recuperar os créditos fiscais.
“Foi estabelecido um cronograma intenso de cobranças antes da inscrição em dívida com envios de cartas, ligações, correspondências eletrônicas, dando a oportunidade aos contribuintes de adimplirem seus débitos antes da inscrição na dívida ativa do município”. A prefeitura também diagnosticou que os maiores débitos estão nas mãos de devedores históricos do município, cuja cobrança sempre foi de difícil implementação em razão de entendimentos diversificados sobre a natureza dos créditos devidos. “São devedores contumazes, massas falidas, imóveis onde pairam litígios por conta de herança, etc”, detalhou a prefeitura andreense.
Santo André criou o programa Renegocia que oferece de incentivo ao contribuinte inadimplente para que quite suas dívidas. Permitiu também aos devedores acessar pela internet as suas dívidas, decidir pela forma de pagamento e receber guias ou boletos bancários para pagamento, sem a necessidade de comparecer à Prefeitura pessoalmente.
Para a prefeitura de Santo André a recuperação dos créditos da dívida ativa será um importante reforço para as finanças na recuperação da economia pós pandemia. “A dívida ativa, como nos anos anteriores, será uma das fontes de recursos que financiará os gastos do município, incluindo os que vierem a ocorrer por conta da pandemia de Covid-19”, conclui a nota da prefeitura.
As prefeituras de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não responderam aos questionamentos do RD.