Rodovia é ‘fronteira’ entre duas Campinas

Como uma fronteira, a Rodovia Anhanguera divide duas realidades de uma mesma Campinas, maior cidade do interior paulista, com 1,2 milhão de habitantes. Uma delas traz estrutura compatível com a posição de 11º maior Produto Interno Bruto (PIB) do País. A outra, populosa, com cerca de 500 mil moradores e em pleno crescimento, ainda exibe precariedade em muitos bairros e um alto número de assassinatos. Um estudo da Unicamp com imagens de satélite indicou alto risco de contágio pelo coronavírus nessa área, além de bairros do extremo sul (próximos ao aeroporto de Viracopos), devido à concentração de moradias precárias.

Não é à toa que bairros dessa região sejam passagem obrigatória nas agendas semanais de candidatos a prefeito, com promessas de mais estrutura (equipamentos públicos, melhora no transporte, regularização de moradias) e emprego. Na abertura da campanha, dia 27 de setembro, por exemplo, cinco partidos (PL, Republicanos, PT, Cidadania e PMN) iniciaram suas ações de corpo a corpo pela periferia.

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A região abriga os distritos Ouro Verde e Campo Grande (zonas sudoeste e noroeste) e três distritos policiais (6º, 9º e 11º), dos 13 da cidade. Foi nesses DPs que a polícia registrou, de janeiro a agosto, 56 assassinatos: 63,6% dos 88 de Campinas. Como comparação, Guarulhos (na Grande SP) inteira teve 66 homicídios. Segundo o sociólogo e antropólogo social Gessé Marques, uma alta taxa de mortes em uma região geralmente é ligada ao tráfico de drogas.

Ele diz que a cidade passou por um processo de urbanização que “empurrou o pobre” para longe do centro. “São pessoas com menos condições de se defender, pois não escolhem onde vão viver.”

Fundador do Instituto Anelo de música no Jardim Florence (distrito de Campo Grande), Luccas Soares, 40 anos, resume um problema dos bairros mais carentes: “onde não há cultura, a violência vira espetáculo”. Ele cresceu em uma viela foco de alagamentos e, hoje, seu projeto atende 500 crianças, jovens e adultos por ano naquela região.

Soares conta que foi guiado à música pela boa vontade de pessoas a quem pediu ajuda, para conseguir instrumentos e aprender. Mas avalia que seu caso só prova a falta de oportunidades na área. “Por isso, buscamos despertar líderes comunitários, começar a fazer, sem esperar o poder público”, afirma. Além de inspirar uma alternativa cultural no Florence, a música já o levou, e a seus alunos, a apresentações até no exterior, em países como Itália e África do Sul.

Ainda segundo Soares, o bairro sede do Anelo seguia uma evolução mas, com a pandemia da covid-19, a desigualdade cresceu. “As necessidades aumentaram e as doações caíram. Há tempos não fazíamos campanhas para necessidades tão básicas (de alimentação).” Ele se mudou para a região central após o casamento, há dez anos, mas vai ao Florence diariamente por causa do instituto. Curiosamente, só não volta ao bairro por causa do preço dos imóveis em novos loteamentos. “Uma casa boa ali é mais cara.”

Segundo a prefeitura, a Campinas “além da Anhanguera” começa a acelerar seu desenvolvimento, atraindo redes comerciais e imobiliárias. De acordo com o Executivo municipal, lá estão 80% de 20 mil moradias em regularização. A prefeitura ainda aponta como melhorias na região a obra dos corredores dos ônibus BRT e novos parques em bairros como o Vida Nova.

A Secretaria de Estado da Segurança diz que atua com vários grupos da Polícia Militar na região, onde prendeu 1,8 mil suspeitos e recolheu 244 armas de janeiro a julho. Diz ainda que os homicídios em Campinas diminuem há anos, caindo 75% desde 2001.

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