O ABC tem cerca de 300 áreas industriais ociosas, são terrenos e galpões de diversos tamanhos e com diferentes situações que os levaram ao abandono ou inatividade. O número é resultado de pesquisa feita pela economista e mestranda em arquitetura e urbanismo da Universidade São Judas, Gisele Yamauchi. Ela e o gestor do curso de Arquitetura e Urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Enio Moro Júnior, debateram a convite do RDTv, como entendem que essas áreas podem ser aproveitadas.
O professor e urbanista da USCS contextualizou como foi o desenvolvimento do parque industrial do ABC, que ele considera ter sido estimulado principalmente por três eixos; o primeiro foi a ferrovia, num processo de mais de 100 anos, depois a rodovia Anchieta (entre 50 e 60 anos) e por último a Imigrantes. “Esses eixos são emblemáticos e marcaram o território do ABC. Nos anos 90 a indústria começa a privilegiar mais a produtividade com informática e os robôs. A crise não foi do capital e sim do trabalho então as plantas industriais, que sempre empregaram muitas pessoas, hoje são plantas menores em que se consegue uma produtividade muito boa. O ABC precisa repensar essas grandes áreas, a região precisa dessas áreas abandonadas, mas faltam políticas públicas para novos usos”, comenta Moro Júnior.
Para Gisele Yamauchi, a falta de informação e do mapeamento dessas áreas ociosas é uma grande falha dos poderes públicos. Muitos galpões construídos até os anos 80 ficaram grandes demais para as necessidades atuais. Empresas se mudaram ou faliram, portanto há diferentes razões para que os imóveis ficassem vazios. “Pelo poder público municipal não existem levantamentos das áreas industriais ociosas. Temos mais de 300 áreas divididas em vários tamanhos, algumas que estão desde a década de 90 ociosas, por causa de questões jurídicas, trabalhistas e tributárias. Nossa região vem desde 2000 para cá perdendo a participação no PIB (Produto Interno Bruto) do estado, por isso tem que olhar se quer se manter como industrial ou dividir essas áreas no sentido estratégico, mas para isso são necessárias políticas públicas regionais e municipais”, diz a economista que considera ainda que a pandemia da covid-19 pode agravar a situação. “Para as pequenas e médias empresas houve queda gigante no faturamento e a tendência é de aumento do histórico que a região vem acumulando” analisa.
O professor Enio Moro Júnior usou o exemplo de Milão (Itália) onde uma área degradada foi aproveitada com a atração de universidades, teatro, projetos habitacionais e empresas de tecnologia. “Essa é uma pegada que tem que ter o poder público à frente. Nesses casos não pode deixar o mercado sozinho tomar conta. Temos o exemplo também do Vale do Silício famoso por empresas como a Google, mas é uma faixa de terra de 50 km que tem 1,5 mil empresas de alta tecnologia que não foram para lá por acaso”, comenta
Para Gisele outro fator a ser considerado é que o mercado mundial está mudando. Ela citou como exemplo as montadoras de automóveis que estão fechando fábricas pelo mundo, como a Ford fez com a unidade de São Bernardo. “Aqui os principais setores são o automobilístico e o químico, que atualmente são os setores que estão passando por transformações. Pessoas preferem compartilhar um carro do que ter um. A indústria está passando por essa transformação e as montadoras estão fechando fábricas em outros locais do mundo. No caso da química fina, esta exige profissionais mais qualificados e temos várias universidades, como a São Judas, USCS, UFABC, Mauá, a FEI, a Mauá e a Metodista. Há também o caminho da indústria de aviação”, disse Gisele sobre o estudo feito por professor da USCS sobre um aeroporto comercial na região. “Traçar esse projeto requer a união entre os atores e a dica é ter um fórum que discuta as áreas industriais, trazendo prefeituras, o Consórcio do ABC, a Agência de Desenvolvimento Econômico, universidades, sindicatos, as autoridades industriais como os Ciesps (Centros da Indústrias do Estado de São Paulo) e discutir com a sociedade civil sobre o que podemos fazer”.
Na região italiana de Sesto San Giovani, uma política pública audaciosa, transformou em rica uma área de uma grande indústria que fechou, a Breda. A cidade reservou 1% do orçamento municipal para financiar projetos de pesquisa e inovação. “Lá eles financiaram a pesquisa de um jovem que acabou inventando o chip de celular que até então não tinha. A empresa Pirelli, através do seu braço de telecomunicação, a Tim, comprou essa tecnologia que hoje é o que todo mundo usa. Essa seria uma saída muito objetiva e num segundo momento juntar as sete cidades através de uma agenda regional para a redefinição da própria agência”, exemplifica Moro.
Tanto para Gisele como para Moro Júnior a falta do inventário das indústrias de cada cidade e a comunicação entre as empresas e os poderes públicos impedem a retomada do crescimento da indústria e de outros setores. “No caso de São Caetano, por exemplo quando a GM cogitou sair, a prefeitura teve uma generosidade muito grande em impostos e licenças, até ficou muito refém, mas não sei se teria outra opção. Depois de pactuada a permanência da GM e a agenda de benesses, não senti a essência do dia seguinte, não existe a continuidade da aproximação com a grande indústria. No caso da Ford, a prefeitura foi pega de surpresa pelo fato de não ter uma interlocução constante com a empresa. Falta uma agenda permanente em que, uma vez por mês. o poder público converse com a indústria”, diz o mestre da USCS.
“A região precisa de um banco de informações de forma que a região própria se enxergue. Não ter um levantamento quantitativo pelos poderes municipais é um sinal de que a gente desconhece nosso próprio território. Prefeituras podem demandar das universidades aquecendo esse debate e esse relacionamento muito importante. Temos que construir um aparato que tenha a informação com uma ageência mais fortalecida. Oferecer um inventário industrial, é extremamente importante para mostrar o que temos a oferecer, não só para a indústria, mas para a mão-de-obra e serviços, podemos explorar isso com outras regiões criando redes”, conclui Gisele Yamauchi.