Com o recuo dos prefeitos do ABC em suspender o transporte coletivo, a preocupação se volta às condições de segurança a que os passageiros estarão sujeitos. Para a médica infectologista Elaine Matsuda, que atua no programa de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/ AIDS de Santo André, é preciso manter o transporte público porém, devem ser levados em conta estudos para que os ônibus não tenham lotação superior a 30% da sua capacidade para que os passageiros tenham um distanciamento ideal de dois metros, considerado seguro para evitar o contágio pelo novo coronavírus.
O transporte coletivo municipal que iria parar no próximo dia 29, não vai mais ser interrompido. A decisão foi tomada na manhã desta terça-feira (24/03) após reunião através de vídeo conferência entre o presidente do Consórcio Intermunicipal e prefeito de Rio Grande da Serra, Gabriel Maranhão (Cidadania) e os secretários estaduais, Alexandre Baldy (Transportes Metropolitanos) e Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional). Apesar de não ser paralisado o transporte terá redução, seguindo as seguintes regras: em dias úteis de 50% da frota circula no horário de pico (6h as 8h e 16h as 20h) e 30% no restante do dia; aos sábados roda 30% da frota no horário de pico e 15% no restante do dia; e aos domingos 20% da frota nas horas de maior movimento e 10% nos demais horários. Já a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) autorizou a redução de até 35% na oferta das viagens nas cinco regiões gerenciadas pela empresa.
“Tenho receio que aconteça como no Rio de Janeiro em que houve redução dos ônibus e as pessoas se aglomeraram. As pessoas precisam do transporte, a estratégia tem que ser muito bem pensada, planejar o tamanho da frota necessária para a demanda prevista de usuários e as empresas devem ter estes números. É importante garantir que a lotação dos coletivos não passe de cerca de 30% para que as pessoas mantenham um distanciamento”, avalia a infectologista.
Segundo Elaine, se a pessoa não levar as mãos ao rosto e o distanciamento for de ao menos um metro o passageiro pode sair do trabalho e chegar em casa sem se contaminar. “O contato com as superfícies só é perigoso se colocar a mão no rosto”, recomenda. Ao chegar em casa as pessoas devem tomar os cuidados de colocar as roupas para lavar, limpar os sapatos e tomar banho, antes de ter contato com as pessoas que estão em casa. “O brasileiro pode ser criativo e usar um protetor facial feito de garrafa pet , como num vídeo que tem circulado nas redes sociais, que impede a colocação das mãos no rosto e protege de possíveis gotículas emitidas por uma pessoa contaminada. Assim, deixamos as mascaras para serem usadas por quem tem sintomas (coriza, tosse, dor de garganta acompanhada de febre), e para os profissionais de saúde. Lembro que uma pessoa pode estar transmitindo mesmo sem sentir nada, por isso o isolamento social se faz tão importante. E quem tem sintomas tem que permanecer isolado por 14 dias, assim como quem mora na mesma casa, conforme portaria 454 do Ministério da Saúde”, aponta.
Para a infectologista coletivos lotados são um risco muito grande para a saúde, mas ficar sem transporte pode ser pior. “Imagine um auxiliar de enfermagem que não consegue chegar ao trabalho, ou com uma frota muito reduzida, não consegue chegar no horário. Isso é um problema muito sério”, diz a especialista.
Profissionais enfrentam várias dificuldades para trabalhar
Os trabalhadores que atuam em serviços essenciais estão preocupados, como o motorista de ônibus Ezequiel (nome fictício) que sai todos os dias para dirigir um ônibus intermunicipal entre os bairros Piraporinha, em Diadema, e Ferrazópolis, em São Bernardo. Além de dirigir ele também cobra as passagens e faz o troco, tendo contato com os passageiros através do dinheiro. “Nos ônibus colocaram álcool em gel e limpam tudo no ponto final”, comentou o motorista, que no entanto não se sente seguro por fazer também a função de cobrador. “Pior é que fazemos as duas funções, porque no ABC praticamente não existe mais cobrador”, relata. O motorista disse que a empresa deixou em casa os funcionários maiores de 60 anos por conta de fazerem parte do grupo de risco e reduziu jornadas “para não acumular muita gente”, completa Exequiel.
O profissional é pai de dois filhos pequenos e padrasto de outros dois, todos em isolamento domiciliar. “Quanto eu chego em casa tenho que tirar todo o uniforme, sapatos e bolsas, desinfetar e colocar para lavar. Depois vou direto para o banheiro”, conclui.
Outro profissional que atua em serviço essencial é o farmacêutico, onde os riscos são grandes e os trabalhadores também encontram problemas no transporte que já está com menos coletivos nas ruas. “Esse tipo de coisa não tem coerência, o ônibus demora e quando vem já está lotado, ninguém vai ficar duas horas esperando”, comenta Elisangela Rodrigues Costa, farmacêutica que tem duas farmácias em Diadema.
A farmacêutica disse que está difícil trabalhar pela falta de itens de proteção como álcool gel e máscaras, mas o menor movimento nas ruas também traz a sensação de insegurança. “Mudou bastante a rotina, estamos nos adaptando e readaptando todos os dias, está difícil no geral mesmo. Estamos nos protegendo mantendo o afastamento porque não temos mais álcool em gel na farmácia nem qualquer outro EPI (Equipamento de Proteção Individual), é o caos total. Tem poucas pessoas nas ruas, na minha opinião deveria deixar o comércio fluir, mas com menos pessoas dentro, para não parar a cidade. Minha preocupação é o que vai vir depois disso, quando ao desemprego”, comenta a profissional