O Dia da Consciência Negra foi celebrado quarta-feira (20). Apesar do feriado em muitas cidades, a data que deveria ser de comemoração pede muita reflexão. É que 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil são negras, maior proporção da última década, de acordo com o Atlas da Violência, o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Conforme a pesquisa, o crescimento no registro de assassinatos no Brasil alcançou patamar recorde em 2017, e atinge principalmente negros e pardos, para quem a taxa de mortes chega a 43,1 por 100 mil habitantes, enquanto para não negros (brancos, amarelos e indígenas), a taxa é de 16. Neste ano, aconteceram 65,6 mil homicídios no País, equivalente a 179 casos por dia. Enquanto no Estado de São Paulo, foram 12,6 mortes de negros a cada 100 mil habitantes.
A explicação para o alto índice de violência, de acordo com a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado, Raquel Kobashi Gallinati, é o reflexo do cenário de desigualdade social, econômica e racial no Brasil. “Quando falamos em jovens negros, mais da metade estuda em áreas violentas e de risco para crimes de furto, roubo, uso de drogas e homicídios. Essa vulnerabilidade e desigualdade refletem nos índices”, explica.
Apesar de as vítimas negras corriqueiramente serem maioria nos registros, o estudo mostra que a prevalência cresceu disparadamente em 10 anos. Enquanto em 2007 os negros eram 63,3% dos assassinados (49,5 mil homicídios), em 2017, a proporção chegou a 75,5%. “Para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio em 2017, aproximadamente 2,7 negros foram mortos”, explicam os pesquisadores.
Ainda de acordo com a pesquisa, em uma década, a taxa de negros assassinados cresceu 33,1%, já a de não negros apresentou um pequeno crescimento, de 3,3%. “Enquanto a taxa de mortes de não negros apresentou relativa estabilidade, com redução de 0,3%, a de negros cresceu 7,2%”, descreve o estudo.
Em vista da discrepância dos números, o coordenador da pesquisa, Daniel Cerqueira, afirma que os dados são resultado da falta de implementação de políticas públicas no setor. “Não há como pensar em um pacote de segurança pública para o público quando as ações cujas consequências não são conhecidas”, diz. “O Atlas indica que as vítimas são negros, moradores de comunidades vulneráveis e com pouca escolaridade. Isso deveria implicar uma ação focada nesses territórios”, acrescenta.
Mercado de trabalho
Na visão da delegada, a desigualdade vai além dos números de homicídio, e pode ser notada ainda em cargos de liderança de grandes corporações. Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) com 578 profissionais que ocupam cargos de chefia em 20 estados do País mostrou que, do total, 81% se declaram brancos, 14% pardos, 5% negros e 2% amarelos.
“Apesar de maioria, a representação política ou cargos de chefia é quase nula, e também não refletem o número da população negra no País”, acrescenta. A delegada pede que, apesar da comemoração, a população veja a data como época de reflexão à desigualdade no País.