Está enganado quem pensa que para trabalhar com arte teatral e circense é necessário ter palco, auditório, cenários e grandes lonas. Espalhados em cruzamentos da região, artistas de rua e trupes independentes impressionam, em poucos segundos, com apresentações inusitadas de pirofagia (cospe-fogo), malabares com pinos, clavas e equilibrismo em monociclos. Os trabalhos autônomos chegam a gerar lucro médio mensal de R$ 1,5 mil, com privilégio da designação de própria jornada diária.
Natural de Buenos Aires, Guilherme Cameria, 27, aprendeu ainda criança a fazer malabares e da arte fez o ganha pão, junto com a namorada Eliane Moreira, 29, que trocou a docência pelo malabarismo e equilibrismo. O casal que se considera nômade viaja constantemente pelo mundo com apresentações em semáforos, calçadões e aniversários.
Instalados atualmente em Santo André, trabalham diariamente no semáforo da rua Santo Urbano, na Vila Bastos, onde lucram em média R$ 20 a R$ 50 ao dia, suficiente para pagar o aluguel e as contas mensais. O maior desafio, de acordo com Eliane, não são as longas jornadas de trabalho, que duram entre 10h e 12h, mas lidar com o abuso excessivo dos motoristas. “Sofremos constantemente com o assédio, principalmente eu, que preciso enfrentar diariamente o machismo, mas isso não nos desmotiva”, afirma.
Em São Bernardo, o morador de rua Marcus Vinícius Morais, 45, encontrou na arte urbana a saída para o vício em drogas e nova oportunidade para recomeço. Desde que perdeu os bens materiais por conta do uso de toxinas, em Ilha Comprida, litoral Sul paulista, voltou à região para atuar com arte urbana.
Craque no basquete, Morais aprendeu a manusear e fazer truques ainda na escola, época que foi chamado para fazer teste no Clube Atlético Juventus. Longe do vício, o artista tenta garantir sobrevivência com o que ganha no semáforo da avenida Senador Vergueiro, na vila Vivaldi, onde de manhã até a noite faz manobras com a bola. “Moro em uma barraca e quero recomeçar. Mostro minha arte e com isso garanto minha sobrevivência”, afirma.
Formação garante frutos
Em Ribeirão Pires, o palhaço Elton Eduardo Modesto dos Santos, 31, profissionalizou-se na carreira após anos de estudo no Doutores da Alegria. Durante a formação, descobriu que, além do malabarismo, precisava desempenhar modalidades de acrobacias, técnicas teatrais e de construção do humor.
Investiu no aprendizado, se esforçou, e deu pontapé à carreira autônoma, no cruzamento das avenidas Brasil com a Miguel Prisco. Com duas horas diárias no endereço, Santos conta que consegue faturar em média R$ 30 a R$ 50 por hora, e que quando trabalha aos finais de semana – dias em que o movimento é maior – chega a faturar ao menos 70% a mais. “Quando o ambiente é menos caótico, o valor deixado no chapéu é maior”, reflete.
Segundo o palhaço, o maior desafio é lidar com o preconceito. “Acham que somos vagabundos, fracassados ou que pedimos esmola. Pelo contrário, somos artistas incríveis, e atuamos pela liberdade financeira, ou por consciência política de tornar a arte acessível”, afirma.
A carreira nas ruas fez com que a profissão de Santos gerasse frutos. Junto de sua parceira Érica Modesto montou a Trupe Modesto a Parte, responsável por fazer apresentações em esferas privadas, públicas e até mesmo eventos corporativos. “Encontramos uma nova perspectiva de vida na profissão”, afirma.
Ainda em Ribeirão Pires, há dois anos o malabarista Gustavo Rocha Parra, 23, também encontrou nas clavas nova opção de vida. Com sua própria jornada de trabalho, o artista crava angariar R$ 80 ao dia, suficiente para pagar as dívidas e cobrir as saídas de lazer. Na semana, são necessárias ao menos sete horas diárias para faturar o mínimo de R$ 50, enquanto aos fins de semana, o período é pelo menos duas horas a menos para chegar no objetivo. “O movimento é bem maior, automaticamente as pessoas param mais para ver e assim acabam contribuindo”, afirma. (Colaborou Ingrid Santos)