Corregedor ‘linha-dura’ na Justiça do Rio

O Judiciário fluminense está inquieto. Comandada por um dos desembargadores mais antigos – e temidos – do Rio de Janeiro, a Corregedoria do Tribunal de Justiça tem monitorado com rigor incomum a atuação dos magistrados e feito cobranças consideradas arbitrárias por seus pares. “Os juízes se desacostumaram a ser fiscalizados”, diz o corregedor Bernardo Moreira Garcez Neto, de 70 anos, orgulhoso da formação jesuíta que acabou por render a imagem de “linha-dura”.

Sob Garcez, a Corregedoria, em seis meses, fez 146 inspeções a Varas do Rio – presenciais e remotas. Nos cartórios, as fiscalizações praticamente dobraram em comparação com o mesmo período do ano passado: 1.701 cobranças remotas e 193 presenciais, média de dez por dia. Dez processos administrativos disciplinares foram instaurados. Um juiz já foi afastado. E, no ato de maior repercussão até agora, 44 magistrados foram intimados a apresentar, em 72 horas, comprovantes de cursos feitos no exterior enquanto recebiam salários do tribunal.

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“Normalmente, quando se ocupa cargo de administração, visa-se ocupar outros cargos. Isso tem um custo, ele fica cauteloso”, diz o desembargador. “Esse é o problema: o corregedor que não age como tal, que quer ser bem quisto, que não quer contrariar, que não quer tomar atitudes.”

Apaixonado por História, Garcez recorre à Roma antiga para se comparar a Lúcio Quíncio Cincinato – general que, após cumprir a missão para a qual o convocaram, recusou honrarias e voltou à vida tranquila que levava no campo.

“É antipático cobrar dos outros seus deveres. Mas não me chamaram em casa, como Cincinato foi chamado para salvar Roma. Eu me candidatei, me submeti ao escrutínio dos outros. E agora eu vou vir aqui para ir a festas? Não frequento isso nem na vida comum”, afirma.

‘Mosca azul’

Corpulento, Garcez tem os cabelos grisalhos bem penteados e olhos claros. Até pouco tempo, cultivava também um bigode que lhe conferia ainda mais imponência. Culpa a idade e o estresse por não mantê-lo mais como antes.

Na sua sala de trabalho, com vista para a Baía de Guanabara, há espaço para quadros de Winston Churchill e Napoleão, do exército prussiano e uma imagem de Santo Inácio, jesuíta que dá nome ao colégio em que estudou. “Minhas inspirações estão ali”, diz. Esses símbolos se misturam a fotos de familiares e a uma caneca do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio, o Bope, que funciona como porta-canetas na mesa de trabalho. “Foi um presente do meu motorista.”

Garcez se gaba de nunca ter perdido uma eleição no Tribunal. Diante de sua cadeira na Corregedoria, um porta-retrato inusitado comporta a imagem de uma mosca azul, símbolo de aspiração ao poder que tem como origem um poema de Machado de Assis. “Meus colegas me deram de presente para ver se a mosca me pica. Querem que eu concorra à presidência do Tribunal”, afirma.

Entre os cargos que ocupou, está o de presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no biênio 2013-2014. Durante sua gestão, barrou a construção de um novo prédio para a sede da Justiça Eleitoral, que já estava em estágio avançado.

A visão que Garcez tem do Judiciário é exposta sem rodeios. Critica juízes que se preocupam com fatores alheios à Constituição e às leis na hora de atuar, assim como aqueles que se “deslumbram” com os outros Poderes. “Que juízes são esses que visitavam a antessala de ministros do Executivo ou de deputados e senadores?”, questiona, sem citar nomes.

Reação

Inconformada com a iniciativa de Garcez de intimar magistrados a apresentar em 72 horas comprovantes de cursos feitos no exterior, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj) reclamou com o corregedor.

Sentindo-se ignorada, requereu no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a abertura de um procedimento administrativo. A associação, que não quis dar entrevista sobre a atuação de Garcez, reivindica o aumento do prazo para a apresentação dos documentos e que o corregedor reconsidere a forma de intimação.

“Inexiste justificativa legal ou racional para a determinação abusiva imposta pelo ato ora impugnado”, diz a associação no pedido ao CNJ. Apesar dos atos da Amaerj, Garcez evita conflitos e afirma que ela é “uma parceira”.

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