Após seis meses em vigor a lei nº 13.786/18, conhecida como Lei do Distrato, o mercado imobiliário tenta se adequar à nova realidade. Especialistas apontam que é cedo para medir os efeitos da medida. Até dezembro, a multa máxima para quem desistisse da compra de um imóvel na planta variava de 10% a 20% do valor pago – na prática a jurisprudência já acenava com 25% na maioria dos casos. Agora o índice pode ser de até 50%.
Gilberto Maistro Júnior, especialista em Direito Imobiliário, reforça que a nova lei trouxe segurança para o mercado, porém foi benevolente com as construtoras. “Um consumidor que depois de certo tempo desistia de um negócio tinha o direito de receber de 80% a 90% do que já havia investido, com correção. A lei trouxe garantia para as empresas, mas não foi tão justa com os consumidores”, diz.
Presidente da Acigabc (Associação das Construtoras, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC), Marcus Santaguita acredita em avanços e lembra que a medida era uma reivindicação antiga do setor. “Vivíamos uma instabilidade e insegurança jurídica sem regra para o jogo. Não se podia reter 100% dos valores pagos pelo comprador, cada construtora arbitrava uma multa em seus contratos e a judicialização era um problema para o mercado”, pontuou.
Antes da lei, a média de distratos era de 30%, até 40% como em 2016. Agora, estão em 10%, mas o percentual refere-se a empreendimentos entregues até 2018 e em situações de inadimplência. Para os lançamentos de janeiro deste ano em diante vale a nova regra. “Ainda não há notícia consistente sobre novos distratos, o prazo ainda é curtíssimo. Além do mais, o mercado está estagnado e as entregas diminuíram”, explica Santaguita.
Com novas regras de financiamento muita gente foi alijada do sistema financeiro e as empresas tiveram de usar financiamento próprio para evitar desistências. “A inadimplência pode ser negociada e não é o atraso nos pagamentos que vai acarretar um distrato hoje. A construtora não quer isso e busca soluções, até propõe a troca do imóvel”, reitera.
Na avaliação de Maistro, também professor da Faculdade de Direito de São Bernardo, é preciso considerar que nem todos os que pedem distrato são oportunistas. “Há aqueles que perderam o emprego ou estão em situação delicada. Não se trata de simples infração, são vítimas das circunstâncias”, afirma. A questão chave, diz, é a multa, pois 25% seriam aceitáveis, já 50% ficam difíceis do ponto de vista contratual. “Em caso de empreendimento com patrimônio de afetação, o consumidor perde metade do que pagou relativo ao preço. É exagerado a pessoa perder metade se o produto fica inteiro para o setor imobiliário comercializá-lo novamente. Outro ponto é que o prazo para devolução dos valores pode chegar a 180 dias ou a 30 dias contados da expedição do Habite-se”, diz.
“Essa questão de que a construtora volta a ter o produto em estoque é relativa. Muitas empresas estão com dificuldade e sem poder de investimentos. O que determina o capital do setor são os bancos e a garantia deles é grande”, rebate Santaguita. Em defesa do setor, o dirigente comenta que muitas construtoras de pequeno e médio porte foram as que mais sofreram com a incidência elevada de distratos. “Esse perfil de empresa representa 90% da realidade do ABC. Muitas deixaram de lançar não em razão do mercado, embora essa seja a pior crise de nossa história, mas devido à insegurança diante das desistências. Complicado não saber o que pode acontecer daqui três anos”, afirma.
Para Santaguita, o mercado começa a reagir, com inflação sob controle e taxas de juros para o crédito imobiliário caindo em bancos. “São ingredientes importantes para o setor, mas os consumidores precisam retomar a confiança”, argumenta. Tanto o dirigente quanto Maistro concordam que o País precisa de estabilidade e previsibilidade.
“A retomada do setor começa pela Capital, passa primeiro pelo ABC. Hoje temos um volume 61% maior de lançamentos na Capital. No entanto, é necessário que se alcance a estabilidade política e o controle das contas públicas”, diz Santaguita.