Durante audiência pública realizada na noite desta sexta-feira (07/06) na Câmara de Santo André para tratar do projeto de lei de concessão dos serviços de água e esgoto para a estatal Sabesp, o superintendente da Unidade de Negócio Sul da companhia, Roberval Tavares, disse que o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) só dá lucro porque não paga o valor integral da água vendida no atacado pela estatal. Durante cerca de 4 horas de audiência vereadores e representantes da sociedade civil como ambientalistas e sindicato de servidores debateram o tema com o representante da companhia estadual e da autarquia.
Para Tavares, como desde 1994 o Semasa apenas paga o valor que acha justo pelo metro cúbico da água comprada no atacado da Sabesp, acaba sendo superavitário. Atualmente a prefeitura paga R$ 1,10 pela unidade e a estatal cobra R$ 2,19. O superintendente foi indagado porque a companhia quer apenas a água e o esgoto, serviços que seriam superavitários na cidade e porque não arca também com o tratamento de resíduos e fiscalização do meio ambiente. “Porque esse não é o nosso expertise, o nosso é água e esgoto. Se o Semasa pagar o que tem que pagar é deficitário, quem está sustentando o lixo e a drenagem é essa diferença que não é paga, portanto quem financia isso é a Sabesp”.
O superintendente novamente garantiu, como já havia dito com exclusividade ao RD dois dias antes, que em seis meses vai resolver os problemas de falta de água na cidade, levando a tubulação onde só há abastecimento com carros pipa e ainda disse que irá resolver as perdas de água que hoje estão em 46%. “Vamos cumprir o plano municipal de saneamento e construir várias adutoras, garantimos o fim da falta de água em seis meses”. Outra garantia é a de que a conta de água de Santo André ficará nos mesmos patamares da Capital, de São Bernardo, Ribeirão Pires e Diadema. “Não posso garantir que não vai ficar mais cara, posso garantir que uma parte vai pagar menos e outra mais. Quem pagará menos é quem usa a tarifa social, hoje essa tarifa na Sabesp é de R$ 8, o Semasa cobra R$ 15. Isso corresponde a 20 mil casas”, apontou.
Em um plenário lotado de funcionários do Semasa, o diretor da Sabesp falou da proposta construída com o governo Paulo Serra (PSDB) para garantir os empregos, conforme o RD antecipou na quarta-feira (05/06). “Durante o período de transição de quatro anos os 1.077 funcionários vão continuar; parte vai ficar a disposição da área de resíduos sólidos, drenagem e meio ambiente pela prefeitura. A Sabesp vai fazer um aporte de R$ 50 milhões para um PDV (Plano de Demissão Voluntária) para funcionários não só do Semasa, mas da prefeitura também”.
Tavares enfrentou críticas de todos os lados. Os poucos que vieram a seu favor, como o líder do governo na Câmara, vereador Fábio Lopes (Cidadania), foram vaiados. Lopes culpou as gestões anteriores pelo volume da dívida e usou a palavra irresponsabilidade mais de uma vez, além de dizer que prefeitos petistas tentaram dar um “passa moleque” na Sabesp. A vereador Wagner Lima (PT) fez defesa de seus correligionários. “Acusaram os gestores anteriores que enfrentaram o monopólio da Sabesp. Esse aí (o prefeito Paulo Serra) também não paga, mas não tem coragem de enfrentar”.
Antonio Carlos Granado, ex-secretário de finanças no governo Carlos Grana (PT) representou o ex-presidente do Semasa, Sebastião Ney Vaz, e disse que a dívida da autarquia, estimada pela Sabesp, de R$ 4 bilhões é ilegítima e encontrou uma tese para a tentativa de conceder o serviço à estatal com urgência. “Enquanto estamos aqui tramita em Brasília um projeto de lei que vai favorecer a privatização no setor, adquirindo o Semasa o valor patrimonial da Sabesp sobe”, disse referindo-se ao envio do projeto de lei no dia 07/05 sem nenhuma discussão com servidores, sociedade e entidades envolvidas.
Francisco Lopes, representante da Assemae (Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento) entidade que reúne 1,7 mil municípios brasileiros que mantém empresas municiais de saneamento, recomendou que Santo André espere a tramitação do projeto em Brasília, sob pena de ter que fazer nova discussão em curto prazo. “O cenário nacional pode atropelar qualquer decisão que for tomada aqui”. Ele acrescentou que durante o último congresso realizado pela entidade o assunto Semasa foi debatido e uma moção de repúdio à concessão dos serviços para a Sabesp foi aprovada.
Ivone de Arruda Carvalho, representante da sociedade civil no Comugesan (Conselho Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental de Santo André), criticou de forma muito dura a condução do processo por parte do governo. “Ficamos surpresos ao saber, pelos jornais, do projeto de lei com a finalidade de passar o Semasa para a Sabesp sem sequer ser submetido ao conselho para análise e estudos. Entendemos que teria que ter vindo (o projeto de lei) primeiramente para nós, o que avaliamos ser uma irregularidade. Pedimos uma reunião extraordinária com o prefeito e sequer tivemos resposta”.
O superintendente do Semasa, Almir Cicote, disse lamentar a situação, mas declarou que não há outra solução. “Para manter o Semasa em pé precisamos de recursos. A tese defendida – de pagar um valor menor – infelizmente perdemos em todas as ações e todas as instância. O prefeito Paulo Serra poderia empurrar com a barriga, mas teve coragem de enfrentar”. Ele fez um histórico da dívida, relatou que a maior parte virou precatórios que ameaçam a receita do município.
O vereador Eduardo Leite (PT) presidente da comissão de Justiça e Redação e que emitiu, na véspera da audiência pública, parecer contrário ao projeto de lei de concessão, disse que o projeto é inconstitucional. “Não tenho dúvidas disso. Essa concessão exige uma licitação, embora eu não acho que esse é o caminho, há também outras empresas que atuam nesta área. O serviço prestado pelo Semasa é superavitário, se tirar o recurso que permite investimento em outras áreas é, na prática, acabar com o Semasa”. A colega de bancada de Leite, Bete Siraque, disse que com a concessão como está no projeto, Santo André vai pagar a dívida duas vezes. “Vamos pagar com o patrimônio (do Semasa) e a perda de receita”.
O projeto de lei 20/19 de autoria do Executivo está previsto para ser votado na próxima sessão legislativa da Câmara de Santo André, na terça-feira (11/06), para ser aprovado ele precisa de ao menos 2/3 dos parlamentares, ou seja, 14 votos favoráveis. Rodrigo Gomes, diretor do Sindserv (Sindicato dos Servidores) de Santo André disse que a Câmara novamente será tomada por servidores do Semasa e ameaçou ocupar o Legislativo caso a medida seja aprovada.