Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada 3 minutos uma pessoa tenta suicídio no mundo, já no Brasil a cada 45 minutos uma pessoa tira a própria vida e essa já é a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e a sétima entre 10 e 14 anos de idade. Comportamento depressivo, mudança repentina da rotina, isolamento e o não cumprimento de compromissos estão entre os sintomas que antecedem as tentativas. Estudos mostram que 90% dos casos poderiam ser evitados se as pessoas próximas tivessem percebido os sinais da depressão e oferecido ajuda, mas segundo Carlos Correia, voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) de São Caetano, muitas vezes os sinais só são notados após ao ocorrência.
Priscila Mendes, psicóloga da Santa Casa de Mauá, aponta que o ambiente virtual, os jogos pela internet e as redes sociais favorecem o isolamento do jovem e os pais devem estar muito mais atentos. Na região há atendimento profissional: o CVV tem três endereços e atendimento por telefone (tel. 188) e internet totalmente gratuito; as pessoas podem procurar os CAPSs (centros de apoio psicossocial) mantidos pelas prefeituras e entidades que realizam trabalhos voluntários com a igreja Nova Geração, em Mauá, cidade que registrou somente no ano passado 37 mortes.
“A gente espera que o jovem tenha uma perspectiva de vida muito maior, mas já não é novidade que nesta fase da juventude existe uma questão de crise de identidade que ainda está sendo formada. Fora isso temos tido uma série de fatores que tem colaborado para aumentar esse índice de tentativas e de suicídios. Vivemos num tempo que se valoriza muito mais os relacionamentos virtuais”, analisa a psicóloga.
Segundo Priscila, o primeiro sintoma entre os jovens é o isolamento e é a partir do excesso de contato pela internet por celular, tablet ou computadores que o jovem se fecha para o mundo real. “Nos consultórios quando sou procurada para atender jovens e adolescentes a maior queixa destes pais e responsáveis é sobre jovens que se isolam no quarto, tendo cada vez menos contato com amigos e com menos atividades nos finais de semana o que, comparado com gerações anteriores seria diferente”, diz. O jovem da geração passada, afirma, era aquele que queria sair aos finais de semana em grupos grandes de amigos e hoje não, se vê jovens que têm se isolado atrás de um celular, de um computador, muitas vezes manifestando seus sentimentos só virtualmente e essa falta de relacionamentos tem feito ter cada vez menos relações humanas. “As pessoas estão se sentindo mais sozinhas e enfrentam a fase da juventude dessa forma sem as pessoas perceberem”, analisa.
Carlos Correia, do CVV, aponta a mudança da estrutura familiar e também o preconceito. “Antes a família era pai, mãe e filhos, hoje temos filhos de mais de uma relação que moram sob o mesmo teto. Tem várias formas de famílias e muitos jovens têm dificuldades de se apresentar como são, acham que serão vítimas de preconceito por parte da família. Eles escutam no ambiente familiar situações hipotéticas em que ele se enquadraria, então têm medo de se expressar, mas não dá para segurar esses segredos por muito tempo, as próprias redes sociais vão entregar isso rapidinho. Tem também o bullying que antes ficava restrito a grupos, mas hoje com um clique vai para o mundo e não se apaga mais”, descreve.
DIAGNÓSTICO
A depressão, que quase sempre precede o suicídio, é uma doença reconhecida no Código Internacional de Doenças, o CID. Deve ser tratada e é fundamental que haja ajuda de familiar e amigo próximo, em quem a pessoa doente tenha confiança. “Quase 100% dos suicídios são precedidos de um transtorno que pode ser uma depressão, ansiedade ou qualquer outro tipo de transtorno mental, mas existem casos isolados de pessoas que se suicidaram por causa de coisas do cotidiano que ela não suportou, por exemplo, a perda de um ente querido, que pode ser um gatilho, mas a maioria deles tem um transtorno ou um fator emocional por trás disso”, explica a psicóloga da Santa Casa de Mauá.
Na máxima de que tudo em exagero não é bom, vale para o uso da internet, segundo Priscila Mendes, ou seja os pais e responsáveis precisam colocar limites. “A internet pode ser um estímulo e hoje faz parte da vida desde criança, mas essa não pode ser a única atividade do dia deste jovem, ele precisa ter atividades e compromissos com escola, atividades extracurriculares, precisa praticar um esporte, sair de casa, e isso é muito importante, pois quando a gente trata uma pessoa com depressão, seja jovem ou não, a questão de não ver pessoas é uma fuga”, afirma.
Uma vez identificado através de um sintoma ou de um sinal, a primeira coisa a fazer é procurar a ajuda de um profissional. Neste momento o familiar ou amigo próximo pode ajudar a pessoa no convencimento de que precisa de auxílio. “Esse apoio é extremamente importante, cumpre um papel que nós profissionais não podemos. Quem vai identificar mais rápido é quem convive com a pessoa, é justamente quem mora na mesma casa, quem trabalha junto ou quem estuda na mesma escola. Identificar que seu amigo ou parente está mais quieto que o normal, está deixando de cumprir alguns compromissos, mais indisposto ou com alguns problemas de saúde, são alguns sintomas que podem nos dar sinais de que tem algo errado. O mais importante é estar disposto a ouvir o outro, isso que o CVV faz tão bem e que não é fácil”, diz Priscila Mendes.
Segundo o voluntário do CVV é preciso estar disponível para conversar no momento em que se é procurado pela pessoa, deixar para depois vai agravar a situação. “Hoje há uma falta de afetividade na família. Todos tem responsabilidade, desliga a Tv e vamos conversar, não deixa para depois. Muitas vezes os sinais estão por aí, por isso se diz que em 90% das situações se evitaria, mas se tivesse percebido os sinais, só que estes sinais aparecem escancarados depois, antes nem sempre. O fato de ficar na cama, ou não querer sair com os amigos poderia ser um sinal, mas não foi percebido”, diz Carlos Correia.
O importante é ouvir e não rotular
Normalmente, um familiar e um amigo quer entender o porquê daqueles sintomas. Costuma dizer coisas do tipo “você não era assim”, ou “se fosse eu não fazia isso”, sem falar em preconceitos. A psicóloga da Santa Casa diz que as indagações e os rótulos nunca devem aparecer nas conversas. “Estamos falando de uma doença, classificada como Código Internacional de Doenças, que mata mais que guerras e precisa tratar como tal. Ela não escolhe classe social, raça ou idade. Não se deve perguntar os porquês, pois a pessoa não consegue justificar, pode ser um trauma de infância que a pessoa não consegue identificar”.
Carlos Correia aponta que, sem apoio, a pessoa depressiva não procura ajuda. “A conversa tem que ser sigilosa, no anonimato. Tentar compreender o que está acontecendo sem ficar rotulando. Familiares tem certa dificuldade com isso porque estão diretamente interessados e podem manipular. Em qualquer sinal de fumaça, não se deve deixar para depois”, diz o voluntário do CVV, que acrescenta que várias pessoas do relacionamento do doente podem ajudar. “Além do amigo, o porteiro, os professores podem identificar a temperatura emocional da pessoa, importante perceber esses sinais. As pessoas, nessa situação, têm dificuldade de sozinhas procurar ajuda é importante que alguém que perceba isso ajude”, ensina.
Quando e onde encontrar ajuda
Qualquer mudança de comportamento que perdure três meses, já é um indício de que é preciso procurar um profissional. “Quando a pessoa perde interesse, a vaidade, somatiza situação de dor, tudo isso aponta para algo mais ligado a transtorno mental do que só um momento que passa. O psicólogo pode fazer esse encaminhamento quando percebe que traz prejuízo social. O trabalho em conjunto com o psiquiatra é importante. A psiquiatria vai buscar o tratamento dos sintomas e a psicologia vai buscar a origem”, explica Priscila Mendes.
A prefeituras mantêm serviços públicos para atender casos de distúrbios mentais, que oferecem tratamento com acompanhamento. O importante é acompanhar o paciente, já que o índice de reincidência sobre os que já tentaram se matar é alto. “Na primeira semana o risco é altíssimo (de tentar de novo). Quando há acompanhamento, com pessoas que estão ao lado diariamente, que conversam com o paciente o índice de novas tentativas foi menor. A pessoa pode superar a crise e ter vida normal, mas os primeiros dias são muito difíceis”, relata Carlos Correia. “As pessoas que cometeram suicídio tentaram de 10 a 20 vezes antes, então essa coisa de dizer que a pessoa que tenta não vai fazer de novo porque não tem coragem, não é real”, acrescenta Priscila.
Os dois profissionais recomendam aproximação da pessoa que apresenta os sintomas e a busca de ajuda paralelamente. “Se estiver passando por estado de sofrimento não hesite em procurar ajuda; procure amigo confidente e se abra. O telefone do CVV é o 188 em todo o País e recebe mais de 10 mil ligações por dia. São cerca de 2,7 mil voluntários em 105 postos e unidades físicas, com atendimento totalmente gratuito, pela internet em www.cvv.org.br, temos três endereços na região, em Santo André, São Bernardo e São Caetano. Quem quiser ser voluntário também pode entrar no site e se inscrever. Ligue, você não está só”, conclui Correia. “Agende uma consulta e divida isso com um profissional, a Santa Casa está de portas abertas, há também os serviços públicos. Existe uma saída não pense em duas vezes”, completa Priscila Mendes.