Durante a discussão do Plano Diretor, que tem início no próximo dia 23, a Câmara de Diadema vai debater a proposta de permitir em algumas áreas da cidade o funcionamento de bares e estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas, entre as 23 e 6 horas.
Desde 2002, a cidade instituiu a lei 2.107/2002, que ficou conhecida como Lei Seca, como forma de frear a violência. A medida teve resultado muito positivo e serviu de inspiração para outros municípios.
Em 2001, antes da lei, Diadema registrou 237 homicídios, ou 65,76 casos para cada grupo de 100 mil pessoas; em 2017 foram 38 casos, índice de 9,51 casos por 100 mil habitantes, uma queda de 85,5% em 16 anos. No ano passado, de janeiro a novembro (os dados de dezembro ainda não foram divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado) foram 33 casos.
O RD percorreu na noite desta quarta-feira (16/01) seis bairros da cidade; Serraria, Inamar, Piraporinha, Vila Nogueira, Vila Conceição e Parque Real, após as 23 horas. Foi encontrado um estabelecimento aberto e clientes consumindo bebidas, no bairro Serraria. Outros bares, apesar de já estarem dentro do horário de restrição, estavam fechando suas portas. Postos de combustíveis porém, ostentavam geladeiras com cerveja.
O autor da proposta é o vereador Josemundo Dario Queiroz, o Josa (PT), que garantiu que não quer mudar a lei, mas permitir que, em determinados locais, a atividade gere emprego e renda. “Esse debate tem de ser enfrentado; a cidade precisa ter uma vida noturna, não pode mais abrir mão de emprego e renda, além de ser uma alternativa de lazer para a população que hoje vai para outras cidades. A Lei Seca tem 17 anos, não quero mexer nela, mas queremos criar polos específicos, com regras próprias, com segurança”, explica o vereador. Segundo o petista, a proposta inicial é criar dois corredores, no Centro e no bairro Piraporinha.
Apartidária
Entre 2000 e 2001 Diadema manteve convênio com o Instituto Braudel de Economia Mundial, que mapeou as ocorrências criminais e chegou à conclusão de que haveria necessidade de disciplinar o funcionamento de bares, principalmente na periferia. A ideia amadureceu, contou com envolvimento dos setores de segurança e culminou com a Lei Seca. A legislação, inclusive, deixou de lado diferenças políticas históricas na cidade. A autora da lei, a ex-vereadora Maridite Cristóvão de Oliveira, na época do PPS, fazia oposição ao governo petista de José de Filippi Jr.
Ao RD a ex-parlamentar lamentou a discussão sobre a abertura de bares após as 23 horas. “A minha opinião é contrária, pois a lei mostrou efetividade. Hoje vemos muitos bares em funcionamento, o que mostra que a Prefeitura não tem tanto interesse em fiscalizar. Essa proposta disfarçada dentro do Plano Diretor é uma forma de mudar a lei que está consolidada, que foi feita em cima de um diagnóstico real, amparada por um pacto de todas as instituições da cidade e que foi aprovada por unanimidade pelos vereadores”, destaca Maridite.
Especialista diz que permissão para bares é tolice
O ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar, José Vicente da Silva, que coordenou o estudo por meio do Instituto Braudel, também lamentou a discussão de medida que pode afetar a Lei Seca. “Acho que é um retrocesso. A primeira coisa que temos de nos perguntar é: quem ganha com isso? Mesmo que se justifique na geração de empregos, o ganho é praticamente zero. Boa parte dos crimes que ocorriam em Diadema naquela época tinha o álcool envolvido e a ação de Diadema foi bem-sucedida; os bares foram fechando e a violência caindo. Com a fiscalização também houve presença maior do poder público nas periferias, aumentou a presença da polícia e tudo junto levou à melhoria da qualidade de vida. Agora, por que mudar o que está dando certo?”, indaga o coronel.
Silva diz que pode parecer chata uma medida que obriga o fechamento dos bares, mas para 90% da população é um bálsamo. “Esses argumentos (de geração de emprego e renda) são tolos”, completa o coronel, que hoje atua como consultor na área de segurança pública.
Mais educação
O ex-prefeito José Augusto da Silva Ramos (PSDB) também é contra a proposta de Josa. “A cidade não está preparada para isso. A Lei Seca foi importante e o jovem é o mais atingido. Diadema precisa de investimentos em educação e geração de empregos”, argumenta.
De acordo com a autora da lei, a ex-vereadora Maridite Cristóvão de Oliveira, não é necessário mudar o Plano Diretor ou alterar a Lei Seca. “Na regulamentação é previsto que os bares possam funcionar desde que se enquadrem em algumas exigências, como ter a própria segurança, proteção acústica e outros fatores. Não precisa mudar a lei, é só se enquadrar nela”, diz a ex-parlamentar.
Em nota a Prefeitura de Diadema nega que haja estudos para mudança da Lei ou busca de alternativas para facilitar a abertura de bares entre as 23h e 6h. O Paço informou que o novo Código de Posturas da Administração não altera a legislação em vigor. Também respondeu negativamente à pergunta sobre a contratação de estudo sobre a atividade de bares e casas noturnas.
O ex-prefeito José de Filippi Jr (PT) não foi encontrado para comentar o assunto.