Investimentos no ABC não traduzem espaços públicos de qualidade, avalia Moro Júnior

Estudo bimestral publicado pela USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), e apresentado recentemente, aponta que os investimentos urbanos das prefeituras do Grande ABC não se traduzem em espaços públicos de qualidade. Sem contar que os recursos financeiros ou são irrisórios ou mal aplicados. Além disso, os projetos não levam em conta uma agenda de longo prazo.

“Atualmente, o pensamento é muito imediatista, o que resulta em crescimento rápido e sem controle. Enquanto isso, cidades como Chicago e Nova Iorque, já bem estruturadas, estão pensando em 2050. Um dos projetos é o aterramento do rio Hudson para a construção de um parque linear. São exemplos bacanas que vem de fora e demonstram que muitos países têm a visão de futuro que nos falta”, destaca Ênio Moro Júnior, arquiteto e gestor do curso de Arquitetura e Urbanismo da USCS, que concedeu entrevista para a RDtv.

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Segundo Moro, a técnica aplicada para a pavimentação de ruas e avenidas da região é dos anos 50/60 e necessita de manutenção constante

Enio explica que o ABC é refém de uma estrutura urbana e de uma malha viária que são pouco qualitativas para os municípios. “Grande parte da região está urbanizada, mas essa urbanização nem sempre levou em conta padrões para a geração de espaços bacanas. Não pensamos no entorno como pede um bom projeto de arquitetura, ficamos restritos ao lote.”

Na visão do professor da USCS, é o entorno qualifica o espaço público. “Nosso traçado urbano não foi revisto, ao contrário de outros locais do próprio Brasil, como Curitiba, trechos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, que comprovam que há condições de possuirmos cidades melhores, mais justas e inclusivas”, comenta.

O último grande projeto urbanístico nesses moldes no Grande ABC foi o Eixo Tamanduatehy, iniciado no final dos anos 90. Porém, apenas 18% do que foi concebido saiu do papel em três anos. A iniciativa, capitaneada por Santo André, visava a revisão do zoneamento do entorno da Avenida dos Estados de industrial para misto (permitindo investimentos dos setores comercial e de serviços) e a qualificação dos sistemas viário e ferroviário, sem esquecer do próprio rio Tamanduateí.

A partir daí, foram poucas as iniciativas e sem um conceito amplo. Um exemplo é o Espaço Cerâmica, em São Caetano. “É um projeto de qualidade, mas restrito”, diz Enio, que defende projetos articulados regionalmente. “Ainda dá tempo do ABC rever isso, levando em conta novos modais.”

Baixa qualidade dos investimentos

Em média, 20% das receitas municipais são investidas em ações de urbanização, aponta o estudo da universidade. O problema é que esses investimentos não são “puros”, critica Enio. “Entram aí o custeio de serviços de manutenção, salários, aluguel de frota, entre outros, o que inibe o desenvolvimento integral dos projetos.”

No tocante aos repasses federais à região, por meio de emendas parlamentares ou programas do Ministério das Cidades, R$ 80 milhões foram aplicados em ações urbanas em 2018, o equivalente a apenas 1% do orçamento dos sete municípios (de quase R$ 10 bilhões). “Metade desse valor (R$ 40 mlihões) foi para obras de pavimentação, que terão que ser refeitas daqui a dois ou três anos”, observa o professor.

A técnica aplicada para a pavimentação de ruas e avenidas da região é dos anos 50/60 e necessita de manutenção constante, o que nem sempre ocorre. A solução, defende o arquiteto e urbanista, seria o asfalto duradouro, não o habitual tapa buraco. “O ideal seria a pavimentação ecológica, drenante e de maior resistência. O asfalto das estradas já tem uma qualidade um pouco maior. Poderíamos caminhar nesse sentido unindo com esse tripé, que é sustentável”, diz.

Futuro

Para o especialista, ainda dá tempo do ABC rever seus pontos falhos e investir com planejamento. O processo, de acordo com ele, passa pelo estímulo para que as prefeituras priorizem projetos urbanísticos de longo prazo e repensem seus grandes eixos estruturais: principais vias, linhas de trem, trólebus e outras áreas que possam passar por transformações. Como exemplos, a represa Billings, as rodovias Anchieta e Imigrantes e a Avenida dos Estados, que corta São Caetano, Santo André e Mauá. “Essas áreas tem que estar na agenda pública para termos cidades mais agradáveis e atenciosas aos munícipes.”

Os espaços públicos de qualidade são aqueles que reinventam as próprias cidades ao contemplar calçadas largas e drenantes, espaços acessíveis, culturais e de permanência, praças, parques lineares, boa vegetação, fiação subterrânea (por aqui esbarramos em prioridades da Eletropaulo), adoção de tecnologias sustentáveis nos projetos construtivos, iluminação natural, ciclovias e integração dos modais, por exemplo – lembrando que o projeto do Monotrilho para a região não saiu do papel.

“Trata-se de uma agenda mais contemporânea, com novas possibilidades de conexão. Ainda estamos falando muito pouco do sequestro de carbono, pauta do urbanismo no mundo todo. Precisamos de projetos com muita área verde”, reforça Enio.

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