Revolução digital transforma o emprego

A empresa de cobrança Acordo Certo fecha, por mês, 30 mil renegociações de dívidas. Entre seus clientes estão Santander, Claro e Porto Seguro. Em vez de reunir uma legião de pessoas ao telefone, freneticamente ligando para clientes, o negócio fundado por Dilson de Sá se resume a 12 pessoas, alguns laptops e um monitor que indica em tempo real os resultados obtidos. Recentemente, ao contratar a Acordo Certo, um cliente reduziu 700 postos de atendimento de telemarketing, disse Sá.

A Acordo Certo resume a redução do emprego na era digital: com o uso da inteligência artificial, renegocia dívidas com robôs que “dialogam” com devedores – a empresa utiliza uma combinação de ferramentas desenvolvidas por Google, Microsoft e IBM.

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São sistemas como esses que podem pôr em xeque o futuro de diversas profissões na próxima década. Segundo estudo da Universidade de Oxford, o telemarketing está no topo dessa lista, seguido de perto por vendedores de varejo, contadores, auditores e outros profissionais da área administrativa.

No Brasil, segundo a consultoria McKinsey, 14% dos postos de trabalho atuais – ou 15,7 milhões de vagas – podem desaparecer até 2030. É um desafio e tanto, uma vez que o País já tem desemprego superior a 13%.

Entre os jovens de 18 a 24 anos, a taxa quase dobra. A McKinsey também alerta que o País está pouco preparado para as vagas que podem ser geradas pela economia digital, pela falta de preparo da força de trabalho. “As pessoas devem pensar em migrar para atividades que não possam ser facilmente automatizadas”, recomenda Fernanda Mayol, sócia da companhia.

Apesar de o telemarketing liderar a lista de risco de estudos internacionais, a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), que congrega as companhias do setor, não vê riscos tão sérios à atividade. Os números da própria ABT, porém, apontam para um corte de quase 80 mil vagas no setor em 2017.

O diretor executivo da entidade, Cassio Azevedo, associa os fechamentos de postos de trabalho no ano passado à retração da economia em 2015 e 2016, e não à digitalização. Em relação à substituição dos atendentes por máquinas, ele recorre a uma análise histórica: “A substituição do homem (pela tecnologia) é uma questão desde o surgimento da máquina a vapor”.

Porteiro eletrônico

Enquanto algumas profissões estão em xeque em todo o mundo, a tecnologia também ameaça atividades que já foram substituídas em outras nações, mas que, por razões culturais e de segurança, ainda são comuns no Brasil.

A ferramenta de portaria eletrônica da Kiper, que concentra as demandas de visitantes, correio e de caminhões de mudança em uma central, está fazendo com que um só profissional seja responsável por monitorar de 8 a 12 edifícios, e não apenas um.

A companhia fornece o sistema para administradoras de condomínio espalhadas pelo Brasil. Uma dessas centrais, nas quais o porteiro vigia uma série de telas com imagens de câmeras de segurança, fica no bairro da Liberdade, na capital paulista. “A ociosidade desse profissional diminui muito durante o trabalho”, diz Odirley da Rocha, sócio da Kiper.

Mas, sem um porteiro por perto, como receber encomendas e fazer mudança? Rocha diz que, para os Correios, a Kiper desenvolveu um sistema de armários inteligentes, que podem ser abertos remotamente, e geralmente são posicionados no antigo local da portaria.

Em dia de mudança, o morador poderá liberar a entrada e saída do prestador de serviço – após o período determinado, a senha de acesso vence automaticamente.

A reinvenção vira semente da sobrevivência

O empreendedor potiguar Gabriel Ranyer, a secretária paulista Gislene Silva e a contadora paranaense Evelise Ferreira de Souza são exemplos de profissionais que, diante de desafios na carreira, decidiram se reinventar – sem necessariamente deixar a área em que já atuavam.

A contadora Evelise, 46 anos, já ouviu falar que sua profissão corre risco de desaparecer. Ela admite que, na hora de fechar balanços, basta digitar os números nas planilhas para que as contas apareçam prontas, em questão de segundos.

Dona de um escritório em Curitiba, que atende principalmente pequenos empreendedores, ela diz ter se tornado uma espécie de consultora financeira a esses empresários. “Eu vou, sento, converso, viro uma espécie de terapeuta.”

Uma das características do empresário brasileiro que ela luta para combater – e que um computador jamais seria capaz de controlar – é a mistura indevida da conta pessoa jurídica com a da família. “Automatizar pode ser fácil no papel, mas a realidade às vezes é outra”, diz.

Aos 21 anos, Gabriel Ranyer olha a Avenida Paulista de cima, como sócio de uma empresa instalada em um dos endereços mais famosos do País. Para chegar à posição de empresário tão cedo, decidiu desafiar padrões estabelecidos. E um dos caminhos que decidiu trilhar seria o horror de qualquer pai: a opção de não fazer um curso superior.

Aos 16 anos, após fazer um curso da Junior Achievement em Natal, começou a trabalhar na Blue Eye, uma empresa que chegou a participar de eventos como o Startup Brasil, ainda antes de poder tirar carteira de motorista. Apesar de o negócio não ter dado certo, ele seguiu no mundo do empreendedorismo ao ir trabalhar na Find Me.

Nos últimos dois anos, ele ajudou a transformar a empresa de monitoramento, que mudou de área de atuação e se especializou em soluções de tecnologia para a área de segurança patrimonial. Com o êxito, voltar aos bancos escolares continua longe dos planos de Gabriel. “É preciso saber o que se quer. E eu quero me qualificar na prática.”

Gislene, de 36 anos, trabalhava na área administrativa quando foi convocada por um ex-patrão para ser sua secretária. Mudou de área no susto – e se viu em uma atividade que, segundo especialistas, poderá sofrer com a automatização de funções na próxima década.

Na nova profissão, Gislene passou a trabalhar ao lado de tomadores de decisão. E está disposta a tudo para garantir que o presidente da agência de publicidade onde hoje trabalha tenha exatamente tudo o que deseja.

Uma das tarefas de Gislene foi conseguir que o patrão fosse aceito em um clube em que os títulos são vendidos só por indicação. Para garantir o acesso ao chefe, ela foi até a porta do clube e conseguiu fazer amizade com quatrocentões paulistanos. E cumpriu uma tarefa que robô nenhum seria capaz de dar conta.

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