Menos de 1% dos homens com histórico de violência contra a mulher que participam do programa da Polícia Civil, Homem Sim, Consciente Também, voltam a praticar atos de agressão. É o que revela a delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher, na cidade, Renata Cruppi, à frente da iniciativa, que completa três anos no município.
O sucesso nos índices e o avanço dos casos de agressão com casais de adolescentes e jovens vai resultar, em breve, na expansão do programa para a faixa etária com menos de 18 anos. “É a oportunidade que o homem tem de mudar”, diz a delegada.
O baixo índice de reincidência é motivo de comemoração. A taxa de homens que começam e terminam o programa é de 83%, o que corresponde pouco mais de 200 participantes. “A não reincidência refere-se aos que concluem o ciclo (de três meses e meio). Porém, identificamos que mesmo aqueles que não foram até o fim não reincidiram. A participação é voluntária, não podemos obrigar o homem a seguir, tem de partir dele”, diz Renata, durante entrevista ao canal RDtv.
Voltado à proteção e acolhimento, o projeto é desenvolvido pela Polícia Civil por meio das delegacias de defesa das mulheres e está em sete municípios do Estado. No ABC, Diadema foi pioneira, mas Santo André já conta com seu núcleo. “Se pensarmos no modelo, que envolve segurança pública, o programa é inédito no ABC. A Polícia Civil já trabalha a expansão para mais cidades do Interior e do Litoral”, adianta a delegada.
Na região, outro mecanismo de auxílio e conscientização dos homens é o grupo “E agora José?”, vinculado ao GT (Grupo de Trabalho) de Gênero e Masculinidades, do Consórcio Intermunicipal Grande ABC. Ao contrário do “Homem Sim, Consciente Também”, voltado à prevenção, o trabalho é feito com condenados, a partir de casos mais graves. Ou a pessoa cumpre a pena ou participa da conscientização.
O Brasil é o quinto país do mundo em assassinatos de mulheres. A cada duas horas, uma é vítima de feminicídio (12 mortes por dia) e novos casos ganham cada vez mais exposição na mídia, como o recente que envolveu a advogada Tatiane Spitzner, de 29 anos, encontrada morta após cair do 4º andar do prédio onde morava no interior do Paraná – o marido da vítima, Luís Felipe Manvailer, de 32 anos, foi preso, acusado de cometer o crime. No ABC, o caso Eloá (jovem morta pelo namorado, Lindemberg Alves, em Santo André) ganhou repercussão nacional. Desfecho trágico para o mais longo episódio de cárcere privado do País.
Estigmatização feminina
“Muitos casais se comportam como perfeitos perante a sociedade, mas não se sabe o que acontece em casa. É a máscara social. Temos a terceira melhor lei do mundo (Maria da Penha), no entanto, o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres. A lei que é falha? Não. A falha está na forma que tratamos a sociedade, em estigmatizar a mulher, ainda impedida de ingressar em cargos de poder. Temos muito que avançar”, avalia Renata.
Para a delegada, apenas o empoderamento feminino não é suficiente para quebrar a dinâmica de violência contra as mulheres. “Empoderamos a mulher, cuidamos da criança para que ela não reproduza um comportamento agressivo, mas não se pensa no agressor. Não se interrompe um ciclo de violência sem conscientizar o agressor. O programa envolve a família toda numa rede de proteção”, diz.
Dinâmica multidisciplinar
Os encontros do programa Homem Sim, Consciente Também duram cerca de 1h30 e ocorrem semanalmente. Durante as reuniões, os homens – identificados a partir de boletins de ocorrência – não são tratados como agressores e o intuito é o autoconhecimento. “Não temos um olhar condenatório, mas de preocupação com o bem estar social para diminuir ocorrências, recuperar relacionamentos e famílias”, esclarece.
Durante as dinâmicas, os homens falam o que sentem, entendem que masculinidade não tem a ver com perfil violento e que a mulher deve ser respeitada. “O mais incrível é perceber que eles aceitam se abrir e enfrentar os medos e bloqueios que fazem com que usem da violência, achando que o homem para ser macho tem de estar em situação de superioridade”, reforça.
Bebidas, drogas, instabilidade emocional, fraquezas, dificuldade para lidar com rompimentos e até doenças, muitas vezes desconhecidas, contribuem para detonar perfis violentos. O boletim de ocorrência e a investigação seguem sendo os principais aliados das mulheres na prevenção de novos episódios de ameaça, ofensa moral, constrangimento ou mesmo agressão física.
“Em geral, os agressores saem de famílias desestruturadas, independentemente de classe social. Se déssemos mais atenção a esse núcleo, teríamos menos criminalidade. Falta diálogo entre os casais e entre pais e filhos. Um tem de completar o outro. É preciso repensar o seio das famílias”, acredita.
Violência animal
Enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, advogados, educadores físicos (para aliviar o estresse por meio do esporte) e até veterinários integram a equipe do projeto. Nesse caso, a abordagem é feita a partir do tratamento que o bicho de estimação da família recebe. “Há homens que desprezam ou agridem o animal como forma de atingir a dona. Quem é de fora pode até achar que está tudo bem com a família, mas se o bichinho da casa não é bem tratado, cabe acompanhamento”, afirma.