Em um cenário de indefinição administrativa no qual o morador não sabe a quem chamar de prefeito, agora Mauá se deflagra com dívidas financeiras de curto prazo que podem chegar a R$ 265,4 milhões ao fim deste ano. Os números foram divulgados por representantes do governo da prefeita em exercício Alaíde Damo (MDB) na tarde desta quinta-feira (12), seis dias após publicar decreto de calamidade financeira.
Segundo dados apresentados pela cúpula do governo, a Prefeitura de Mauá contabiliza um débito de restos a pagar em R$ 54,8 milhões referente ao exercício 2017, ainda na gestão do prefeito afastado Atila Jacomussi (PSB) – preso de 9 de maio a 15 de junho. Neste ano, os atrasos com fornecedores alcançaram R$ 59,8 milhões, o que já resulta em uma soma de R$ 114,7 milhões de dívidas em curto prazo já consolidadas.
Caso nada seja feito para estancar a sangria financeira da máquina pública até o fim do ano, o passivo de Mauá pode chegar a R$ 142,4 milhões. Nesses cálculos, contabilizam compromissos com a Lara Central de Tratamento de Resíduos Ltda – prestadora de coleta e destinação de resíduos sólidos da cidade –, depósitos de precatórios, compromissos com a Caixa Econômica Federal (leia mais abaixo) e outros gastos.
Completa o quadro de caos financeiro em Mauá a dívida cobrada pela FUABC (Fundação do ABC), que reivindica R$ 123 milhões atrasados pelo governo. Por sua vez, a gestão Alaíde segue a mesma linha de Atila, ao dizer que não reconhece o valor, mas assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para regulação do próximo contrato mediante a um organograma pelo pagamento do débito.
Os números foram apresentados pelo sobrinho da prefeita em exercício e secretário de Governo, Antônio Carlos de Lima (PRTB), acompanhado dos secretários Valtermir Pereira (Finanças) e Rogério Babichak (Justiça e Defesa da Cidadania). “Esse decreto não visa qualquer atividade de expansão de crédito. Estamos fazendo a lição de casa, olhando para o nosso próprio umbigo e buscando amparo legal para algumas suspensões de pagamentos”, declara.
O decreto de calamidade financeira foi assinado por Alaíde no último dia 6 e prevê Mauá nesse estado por 120 dias, dando poderes ao Paço em prorroga-lo, caso não atinja o quadro de equilíbrio fiscal. A medida faz com que as secretarias sejam subordinadas a Lima, na condição de responsável pela Pasta de Governo, para possibilidade de revisões de contratos e redução de despesas.
A publicação do decreto ocorreu um dia antes do prazo limite de três meses anteriores à eleição de outubro, no qual a legislação eleitoral (lei federal 9.504 de 1997) proíbe transferências voluntárias da União e do Estado a municípios. Com o dispositivo, porém, a gestão Alaíde espera não encontrar obstáculos legais na obtenção de recursos externos.
Questionado sobre a legalidade da manobra fiscal, principalmente pelo presidente da Câmara dos Vereadores e pai de Atila, Admir Jacomussi (PRP) – que lançou ofício ao governo –, Babichak deu a sua versão: “Mauá não está inventando a roda. No ano passado, cerca de 60 municípios decretaram estado de calamidade financeira. O (Estado) do Rio de Janeiro também declarou e recebeu R$ 2,9 bilhões da União”.
Secretário de Finanças desde o início do atual mandato, tanto de Atila como de Alaíde, Pereira tentou passar ileso na guerra de versões entre os dois grupos políticos. “Fomos pagando ao longo de 2017 (os restos a pagar do ex-prefeito Donisete Braga, do Pros, de 2013 a 2016), mas contávamos com acréscimo na receita, o que não ocorreu. Então pagamos os valores (da gestão passada), mas criamos o nosso resto a pagar”, justifica.
Governo fala em romper acordo com a Caixa
Secretário de Governo em Mauá, Antônio Carlos de Lima (PRTB) afirmou nesta quinta-feira (12) que pode romper o acordo de repactuação da dívida junto à Caixa Econômica Federal, pela canalização dos córregos Corumbé, Bocaina e do Rio Tamanduateí em 1991. O convênio foi celebrado há três anos, pelo ex-prefeito Donisete Braga (ex-PT e atualmente no Pros), que questiona a necessidade da medida.
A crítica ao pacto financeiro junto à Caixa ocorreu durante as explanações sobre o decreto de calamidade financeira, assinada pela prefeita em exercício Alaíde Damo (MDB), na semana passada. Segundo Lima, a taxa de juros prevista em contrato é superior à projeção de crescimento orçamentário da Prefeitura de Mauá e, por essa razão, resultará na geração de um passivo nos próximos anos.
“Vamos entrar com uma ação judicial visando uma rescisória. Não existem mais essas taxas de juros para contratos dessa magnitude, aproximadamente 14,5% e é exorbitante, sendo a taxa (básica de juros) Selic em 6,5% (ao ano) (…). Esse córrego não custa nem R$ 10 milhões e estamos pagando de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões por mês em até 20 anos (na repactuação do passivo com a Caixa)”, apontou.
Lima avaliou que o formato dos juros fará com que a parte que Mauá recebe do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), para quitar a repactuação, não será o suficiente em curto ou médio prazo, o que comprometeria o tesouro municipal. O benefício chegou a ser bloqueado em 2006 pela STN (Secretaria do Tesouro Nacional) como forma de pagamento do passivo e somente foi recuperado em 2015.
A dívida é referente ao financiamento junto à Caixa feito pelo ex-prefeito Amaury Fioravanti, em 1991, para canalização dos córregos Corumbé, Bocaina e Rio Tamanduateí. Na ocasião, o acordo era de 13,7 bilhões de cruzeiros (o equivalente a US$ 49 milhões), porém, os juros eram calculados pela tabela Price, método de amortização francês, que transformou o débito em uma bola de neve.
Donisete, por sua vez, preferiu não polemizar ao dizer que Mauá está em um momento delicado, porém, pontuou que todos os riscos foram avaliados pela Caixa e pela STN antes da celebração do convênio. “Faria (o acordo) novamente. Fui 35 vezes a Brasília e foi necessária aprovar uma medida provisória para Mauá repactuar a dívida. Então é natural que quem está na cadeira achar que (o acordo) foi errado, mas que então se movimentem e vão dialogar com a Caixa e STN”, disse.
Em primeira entrevista pública, Alaíde fala apenas 1 minuto
Prestes a completar dois meses como prefeita em exercício de Mauá, Alaíde Damo (MDB) teve uma participação relâmpago na sua primeira entrevista coletiva: 1 minuto e 17 segundos. A emedebista era aguardada na tarde desta quinta-feira (12) para explicar as razões que a levaram a assinar o decreto de calamidade financeira na semana passada, porém, apenas fez uma explanação inicial e se retirou do auditório do gabinete.
Alaíde justificou a aparição rápida por conta do falecimento da cunhada – irmã do marido e ex-prefeito Leonel Damo (sem partido) –, que seria enterrada nesta quinta-feira. Ao tomar a palavra, a prefeita em exercício destacou a sua preocupação com a crise nos serviços públicos de saúde, porém, não aprofundou detalhes sobre as dívidas que a motivou a assinar o decreto de calamidade financeira.
“Estou aqui como prefeita e quero dizer a vocês que estou lutando, principalmente pela saúde, porque os nossos munícipes são pessoas humildes que não têm como pagar um plano de saúde. Então estou focada nessa área, indo para São Paulo, indo para Brasília, para resolver esse e outros problemas. Tudo é uma questão de humanidade (…). Estamos trabalhando e tentando equilibrar tudo. Esforço não falta para nós”, declarou.
A presença Alaíde não era certa mesmo antes da coletiva, que no fim foi encabeçada pelos secretários Antônio Carlos de Lima (PRTB, Governo e interino de Saúde), Valtermir Pereira (Finanças) e Rogério Babichak (Justiça e Defesa da Cidadania). Minutos antes das explicações sobre o decreto, houve o comunicado de que a prefeita em exercício, em posse do cargo desde 15 de maio, faria um pronunciamento rápido.
Desde que passou a comandar Mauá, Alaíde não participou de agendas públicas na cidade, apesar de viagens a São Paulo e Brasília, em encontros com o governador Márcio França (PSB) e o presidente Michel Temer (MDB). A única entrevista da emedebista como prefeita interina ocorreu em 17 de maio, em frente à sua residência, após abordagem das equipes do RD e do Diário do Grande ABC.
Originalmente vice-prefeita, Alaíde assumiu a chefia do Executivo em decorrência da prisão do prefeito afastado Atila Jacomussi (PSB), em 9 de maio, pela esteira da Operação Prato Feito, da PF (Polícia Federal). O socialista foi detido por suspeita de lavagem de dinheiro, devido à apreensão de R$ 87 mil em notas vivas na cozinha de seu apartamento, sem comprovação de origem lícita naquele momento.
Atila retomou a liberdade em 15 de junho, por meio de concessão de habeas corpus do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes. Entretanto, o desembargador federal do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) José Lunardelli impôs liminar impedindo que o socialista reassumisse o cargo e frequentasse os espaços administrativos do governo, por tempo indeterminado.
Por enquanto, Atila tenta recorrer da decisão no próprio TRF-3, porém, o recurso está sob análise do desembargador federal Maurício Kato, responsável pelo decreto da prisão preventiva do socialista. Por ora, o grupo político de Alaíde já fala em “governo novo com caras novas” e afastou secretários indicados pelo socialista, assim deixando aliados em 2016 como rivais políticos neste momento em Mauá.