Zona Azul de São Caetano teve elo familiar com doações a Auricchio

Cello Auto prestou serviços de Zona Azul em 2009 durante gestão de José Auricchio Júnior (Foto: Pedro Diogo)

Alvo de denúncia no TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) por caixa dois e formação de organização criminosa, o prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), celebrou contrato em 2008 com o Consórcio Cello Auto para gerenciar o estacionamento rotativo na cidade. O grupo teve como uma das sócias Damiela Abrantes, esposa de Eduardo Abrantes, sócio administrador do escritório Globo Contábil, que está no epicentro das investigações sobre as doadoras eleitorais ao tucano.

O Consórcio Cello Auto prestou serviços pelas ruas e avenidas de São Caetano entre 2009 e 2014, em licitação considerada irregular pelo TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), por aplicação de medidas restritivas a empresas interessadas. O grupo foi constituído pelas terceirizadas Cellopark do Brasil Estacionamentos Ltda e Autoparque do Brasil Empreendimentos e Serviços Ltda.

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A Cellopark teve início de atividades em janeiro de 2008, com capital de R$ 100 mil, valor que seria elevado a R$ 360 mil em maio, conforme dados da Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo). O montante subiria ainda para R$ 1 milhão em 2010, a partir da entrada da Kinkos Participações Ltda, de propriedade de Damiela, com recursos de R$ 400 mil na sociedade.

José Auricchio Júnior (PSDB), prefeito de São Caetano

Damiela assumiu diretamente o papel de sócia da Cellopark em 2013 e permaneceu na sociedade até 2014, ano em que se encerrou o contrato do Consórcio Cello Auto em São Caetano, já sob gestão do prefeito Paulo Pinheiro (ex-MDB e hoje no DEM, 2013-2016). Entretanto, fora a ligação familiar, não há indício entre a terceirizada dos serviços de Zona Azul com a empresa Globo Contábil.

TCE
Em novembro de 2008, o governo Auricchio celebrou o contrato com o Consórcio Cello Auto pelos serviços de estacionamento rotativo pelas vias públicas de São Caetano a partir de janeiro do ano seguinte. O contrato seria válido por cinco anos, pelo valor de R$ 6 milhões. Em contrapartida, o Paço receberia bonificação equivalente a 19,6% sobre a remuneração mensal bruta do sistema.

O processo licitatório que resultou na homologação do Consórcio Cello Auto despertou a atenção do TCE. A corte constatou que 14 empresas retiraram o edital da concorrência pública, mas somente duas interessadas se habilitaram no certame. As normas da licitação também exigiam que as prestadoras de serviço tivessem o capital social mínimo de R$ 240 mil.

Em análise na primeira câmara do TCE, o conselheiro Edgard Camargo Rodrigues estranhou a exigência do capital mínimo, tendo em vista o parágrafo 3ª do artigo 31 da lei federal 8.666 de 1993. A norma prevê que a quantia cobrada em licitação deva ser de 10% do valor do contrato, neste caso, R$ 600 mil. Se divididos por cinco anos, a empresa teria de comprovar capacidade financeira anual de R$ 120 mil, metade do que prevê o edital.

Tanto a Prefeitura de São Caetano como Auricchio justificaram que o capital mínimo de R$ 240 mil previsto no edital não identificava nenhuma ilegalidade. Ambas as partes alegaram ainda que a vencedora da licitação teria de adquirir equipamentos eletrônicos de procedência boa, com tecnologia moderna e segura, além de cartões de preenchimento manual de maneira a impedir violações.

Os apontamentos não convenceram Rodrigues, que constatou a “inquestionável restritividade ao processo seletivo” que resultou na homologação do Consórcio Cello Auto e, portanto, votou pela irregularidade da licitação, em acórdão publicado em setembro de 2016. Auricchio ainda ingressou com recurso no TCE, analisado pelo conselheiro Antonio Roque Citadini, que manteve a decisão anterior do colega.

Escritório está no epicentro de denúncia

O prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), voltaria a ter contato com a família Abrantes em 2016, quando disputava a eleição pelo seu terceiro mandato. De acordo com as prestações de contas, disponibilizadas pelo site TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o tucano contratou a empresa Globo Contábil, de propriedade de Eduardo Abrantes e com sede em São Paulo, pelo valor de R$ 20 mil, em agosto daquele ano.

Casa de Maria Alzira Abrantes

Justamente o escritório Globo Contábil seria o elo de Auricchio com as suas duas maiores doadoras eleitorais em 2016, ambas investigadas pelo MPE (Ministério Público Eleitoral): Maria Alzira Abrantes (avó de Eduardo Abrantes), de 90 anos na ocasião, no valor de R$ 350 mil; e Ana Maria Comparini Silva (mãe de Rita de Cássia Silva, funcionária da empresa), acima dos 80 anos, na quantia de R$ 293 mil.

Inicialmente, as doações vultosas de Ana Maria despertaram as atenções do MPE. Além de Auricchio, constam no nome dela transferências a candidatos à vereança de São Caetano, Irineu Luiz Vencigueri e Roberto Barbato (ambos do PSDB), que receberam R$ 57 mil e R$ 39,5 mil, respectivamente. O vereador de São Paulo, Camilo Cristófaro (PSB), também foi contemplado com R$ 6 mil.

Residência de Ana Maria Camparini

Moradora de Jundiaí, Ana Maria teria em seu nome o total de R$ 395,5 mil em repasses a candidatos em 2016. Entretanto, segundo o artigo 21 da resolução nº 23.463/2015 do TSE, a soma de doações de pessoas físicas é limitada a 10% dos rendimentos brutos declarados no Imposto de Renda do ano anterior ao período eleitoral. Portanto, a doadora necessitaria comprovar na declaração de renda uma quantia superior a R$ 3,9 milhões em 2015.

O MPE também constatou que Ana Maria não apresentou declaração do Imposto de Renda em 2014 e 2015, e constava como desempregada no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Tais informações impulsionaram o pedido de quebra de sigilo bancário da doadora. Para a Promotoria, a moradora de Jundiaí não teria idoneidade financeira para fazer repasses nessa quantia volumosa.

O RD esteve na casa da doadora no bairro Fazenda Grande, em Jundiaí, onde se notou que Ana Maria residia em uma casa modesta, longe de ostentar uma riqueza milionária. A idosa afirmou que nunca viu Auricchio na vida, não tinha os valores da doação registrados no TSE e que não visitou São Caetano.

Na denúncia ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral), o procurador regional eleitoral Pedro Barbosa Pereira Neto apontou que a conta de Ana Maria foi abastecida pela empresa Almeida & Dale Galeria de Arte, localizada no Jardins, zona oeste de São Paulo, que depositou R$ 500 mil. Segundo a representação, o “fato revela o total desrespeito à proibição de financiamento empresarial”.

Eduardo Abrantes foi procurado pela reportagem, para falar tanto da participação da esposa Damiela Abrantes como sócia na empresa Cellopark do Brasil Estacionamentos Ltda e da denúncia que cita a empresa Globo Contábil. No entanto, o empresário informou por meio de advogado que responderá por sua inocência pelos autos do processo. O contato direto de Damiela não foi localizado pela reportagem.

Por meio de seus advogados, Auricchio também se manifestou ao dizer que a denúncia se trata de uma opinião do MPE pendente de apreciação do TRE. A defesa afirmou que o tucano está à disposição da Justiça Eleitoral para prestar todos os esclarecimentos necessários e tem certeza da correção de sua conduta e, por fim, acredita que os fatos serão elucidados.

MBL protocola pedido de impeachment contra tucano

Admissão do processo será votado em agosto (Foto: Leandro Amaral)

Em meio à denúncia do MPE (Ministério Público Eleitoral), o prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB), também precisa direcionar o seu olhar ao cenário local. O tucano está na mira de um segundo pedido de impeachment, desta vez protocolado pelo MBL (Movimento Brasil Livre), nesta quarta-feira (4), na Câmara dos Vereadores. A proposta pela abertura de processo de cassação será votada em agosto.

O pedido de perda de mandato tem como base a representação da MPE ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) contra Auricchio e o vice-prefeito Beto Vidoski (PSDB), ao constatar ilegalidade na doação eleitoral de R$ 293 mil em nome de Ana Maria Comparini Silva. A Promotoria afirmou que a doadora foi usada como laranja para camuflar os recursos destinados à campanha da chapa tucana.

Líder do MBL e pré-candidato a deputado federal, Kim Kataguiri (DEM) explicou que a estratégia do grupo é angariar o apoio popular para pressionar os vereadores pela abertura do processo de impeachment a Auricchio. Em junho, o diretório municipal do PSol ingressou o pedido de cassação, com a mesma motivação, mas o Parlamento rejeitou o requerimento por 13 votos a quatro.

Em entrevista ao canal RDtv, Kataguiri lembrou do trabalho do MBL pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.  “Naquela época, o Senado não queria votar o impeachment, a maioria dos partidos de oposição também não queria, mas conseguimos pressionar e assim prosseguir com a ação”, disse o líder do movimento.

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