Imensas filas de carros para abastecer, postos fechados, rodovias bloqueadas por manifestantes, indústrias sem estoque de mercadoria, e varejistas e atacadistas na área de alimentos com poucas opções de produto para vender, principalmente de hortifrutigranjeiros. Este foi o quadro desta quinta-feira (24) no ABC, que assim como o resto do País sofre os reflexos da greve dos caminhoneiros. O movimento entra nesta sexta-feira (25) no quinto dia e sem uma gota de combustível nos postos da região, que venderam todo o estoque ontem antes mesmo de anoitecer. A greve é contra a disparada do preço do diesel que faz parte da política de preços da Petrobras, em vigor desde julho. O governo sinalizou a zeragem do PIS, Cofins e Cide até dezembro, mas a categoria considera insuficiente.
Com o embate, os 384 postos de rua e supermercados da região deixaram de ser abastecidos esta semana e nem vão abrir nesta sexta-feira, porque estão com os tanques vazios. Juntos comercializam 96 milhões de litros por mês. Segundo o Regran (Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do ABCDMRR), mesmo se a greve acabar nesta sexta-feira, o prazo para o mercado normalizar leva de dois a três dias se houver entrega de combustível no fim de semana. “A expectativa é que isso ocorra, eles entrem num acordo para que as coisas voltem ao normal, porque agora ficou complicado”, comenta Roberto Rodrigues, gerente do Regran.
Os preços apresentaram variações, mas nada que chamasse muito atenção. Apenas um posto na avenida Príncipe de Gales, onde curiosamente vendia o litro de gasolina por R$ 3,24, nesta sexta-feira alterou para R$ 4.34. Em média, o preço do litro do combustível varia de R$ 4,49 a R$ 4,69; do etanol vai de R$ 2,79 a R$ 2,89 e do diesel até R$ 3,89.
Em Santo André, ainda de manhã, vários postos colocaram cones para avisar que não tinham mais combustível, como nas avenidas Higienópolis e Portugal. Na vila Assunção, os frentistas do Auto Posto Capricho torciam para conseguir atender a fila pelo menos até meio-dia. O vendedor Antonio Carlos Moreira, disse que estava feliz porque conseguiu encher o tanque. “Estava com medo de ter sair procurando outros locais”, comentou. Moradora no bairro Campestre, a jornalista Edna Pereira conseguiu gasolina somente no bairro Jardim, depois de percorrer vários postos. “Foi um sufoco achar quem tinha”, comenta.
Em São Bernardo, o Posto Carrefour, na avenida Senador Vergueiro, não tinha gasolina também de manhã. Na quarta-feira à noite, o Agrissal, da Pereira Barreto, ao lado do Metrópole, já estava às escuras. Apesar disso, a cidade foi a última na região a acabar o estoque. São Caetano foi a primeira, segundo o Regran. Às 14h não havia combustível em nenhum dos postos da cidade.
Dificuldade
O dia do motorista começou bem difícil em decorrência da falta de combustível e filas imensas nos estabelecimentos que ainda tinham estoque. Carlos Flávio, de São Bernardo, é motorista do Uber e fez uma verdadeira peregrinação, porém não conseguiu encontrar o produto. “Fui em 5 postos e encontrei todos fechados, agora parei de rodar, porque a minha gasolina está bem próxima da reserva”, diz ao lamentar que não pode trabalhar, mas apoia a paralisação dos caminhoneiros.
O analista Roberto Costa Junior também reside em São Bernardo, mas trabalha no Brooklin, em São Paulo. Costuma ir de carro, porém, relata que não conseguiu abastecer nesta quinta-feira e vai tentar trabalhar de ônibus nesta sexta. “Estou rodando com o resto de gasolina que eu tenho”, diz.
Acordo
Na noite desta quinta-feira (24), após reunião de mais de seis horas entre representantes de entidades de caminhoneiros e governo federal, foi anunciado acordo para suspender, por 15 dias, a paralisação, que desde segunda-feira (21) provoca bloqueios de rodovias estaduais e federais e desabastecimento de produtos em todo o País.
Ainda não há garantia de quanto tempo se levará para o movimento ser desmobilizado, já que o acordo firmado entre as partes ainda será repassado à categoria. No total foram 11 pontos aprovados na reunião, entre eles, redução a zero da alíquota da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), em 2018, sobre o diesel; manter a redução de 10% no valor do óleo a preços na refinaria e assegurar periodicidade mínima de 30 dias para eventuais reajustes de preços.
Transporte público da região também é afetado
A Prefeitura de Santo André, por meio da SATrans, informa que, devido à greve caminhoneiros, as empresas de ônibus não estão recebendo combustível. Para que no final de semana a população não fique sem transporte, as linhas de ônibus vão operar a partir desta sexta-feira (25) com frota reduzida. As empresas Guaianazes, Curuçá, ETURSA, Parque das Nações e Vaz, vão operar com 65% da frota programada na sexta-feira, sábado (26) e domingo (27). Já as empresas Suzantur e Urbana vão operar normalmente nestes três dias.
Com 420 ônibus, a SBCTrans, principal operadora de transporte urbano de São Bernardo, anunciou que adotará, temporariamente, mudanças em seus serviços, com a redução do número de veículos em circulação nos horários de menor demanda (entre os picos). “Como não podemos prever quando o abastecimento será normalizado, preferimos nos antecipar e garantir os serviços nos horários mais importantes e de maior demanda”, explica Milena Braga Romano, diretora executiva da empresa, que espera que a situação seja resolvida o quanto antes para que o abastecimento de óleo combustível nas garagens possa ser normalizado.
Já a EMTU anunciou que as empresas de ônibus metropolitanos estão enfrentando problemas de abastecimento. Com isso, na região do ABC, as permissionárias estão operando com cerca de 90% da frota total.
A situação também preocupa o ABC Rádio Taxi, que conta com 365 veículos na região. Isto porque cerca de 80% da frota opera com gasolina ou etanol e o restante com GNV, este último encontrado normalmente. “Foi bastante complicado abastecer nesta quinta-feira. Muitos postos já não tinham mais gasolina e etanol. É bem provável que alguns carros parem de rodar pela falta do produto”, disse o motorista da cooperativa, Emerson Almeida, morador de São Bernardo.
Paralisação atinge outros segmentos
Outras instituições e empresas também adotaram plano de contingência para evitar a paralisação dos serviços. O Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) avisou que a coleta de resíduos vai operar em esquema especial a partir desta sexta-feira com objetivo de garantir atendimento em todo o município. Em São Bernardo, a Prefeitura garante que os serviços funcionarão normalmente nesta sexta-feira (25). A exceção será o serviço de coleta de lixo, que não ocorrerá no decorrer desta sexta-feira, em razão da falta de combustível com os caminhões coletores. A administração de Diadema afirma que alguns serviços na educação e saúde poderão ser afetados por conta da dificuldade de deslocamento de funcionários. O transporte coletivo também circula com redução de veículos fora dos horários de pico.
Na Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado) de Santo André, os setores mais afetados são os de frutas e de legumes. Frutas nobres, como uva e maçã, já estão em falta. A Companhia aponta que 40% das entregas estão atrasadas e alguns segmentos, com os estoques baixos, estão com preços elevados. Frutas como manga, melancia, laranja, mamão, entre outras, estão com estoques reduzidos em 50% e os preços estão em média 40% mais caros. A batata e a cebola são outros exemplos de alta. Um dia antes da greve, a saca da batata era vendida por um preço médio de R$ 80. Nesta quinta-feira (24) chegou a R$ 250.
O Hospital e Maternidade Dr Christovão da Gama, em Santo André, informa que desde o início da greve tem sido avisado por fornecedores da dificuldade de entrega. “Isto foi aumentando dia a dia”, afirma Ellen Mendes, supervisora de Compras. Mas, a partir desta quinta-feira (24), a falta de combustível para o transporte, optou por estoques um pouco maiores, principalmente dos alimentos e insumos que vêm de outros Estados.
Os cegonheiros também aderiram em peso ao movimento contra a alta do diesel. De acordo com o Sindicato Nacional dos Cegonheiros (SINACEG), 3.700 caminhões estão parados, sendo que na região do ABC são 1.400 cegonhas carregadas e pouco mais 100 vazias estacionadas nos pátios do sindicato e nas empresas de distribuição logística.
Greve pode levar o País ao caos, diz especialista
Caso perdure por muito tempo, a paralisação dos caminhoneiros, que teve início na segunda-feira (21), trará sérios impactos regionais e o País poderia vivenciar um completo caos. A análise é do mestre em Economia e coordenador do curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia, Ricardo Balistiero.
“Pensando num cenário que eu acho improvável, seria um caos completo. Uma crise brutal de abastecimento com alta inflacionária e com o País paralisado, literalmente. Não acredito que chegaremos a isso. Em algum momento um acordo vai ocorrer e esse movimento, com o passar do tempo, tende a se tencionar”, afirma o docente especialista em economia brasileira.
O profissional também pondera que o tempo é fator fundamental nesse tipo de situação e quanto mais demorar para chegar a um desfecho, pior fica o cenário. Além disso, os impactos de curto prazo são materializados em alta de preços de produtos e combustíveis.
“O consumidor é bastante afetado, sem contar todos os inconvenientes como postos de gasolina cheio e sem estoque. E vai ter um impacto grande do ponto de vista macroeconômico porque haverá repique na inflação e no ritmo da atividade econômica”, observa, ao apontar que trata-se de uma situação pouco confortável no momento em que o País precisava de mais tranquilidade para poder retomar a economia.