Revisita a um clássico de 1933 que não perde a atualidade

Cortinas ainda fechadas, o ator e palhaço Nando Bolognesi adentra até o centro do palco para apresentar ao público o espetáculo que vem a seguir: O Rei da Vela. Encarnando o autor da obra, o escritor modernista Oswald de Andrade, Bolognesi explica que a plateia não vai ver uma peça “escrita” pelo diretor José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, nem pelo palhaço Hugo Possolo. A brincadeira faz referência à mítica montagem do encenador do Teatro Oficina, de 1967, e cita o chefe da trupe Parlapatões, que adaptou, dirige e protagoniza o clássico de um dos fundadores do Movimento Antropofágico, em cartaz no Sesc Santana (Av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971-8700), até 6 de maio.

A ligação de Possolo com O Rei da Vela é antiga. Foi a primeira peça adulta que leu, com apenas 11 anos e se encantou com o espírito anárquico do texto oswaldiano. No fim dos anos 1990, até dirigiu uma montagem com formandos de Artes Cênicas da Unicamp. Mas foi na Copa do Mundo do Brasil, em 2014, quando o diretor teve a sensação de que o País já entrava em crise, que resolveu levar adiante uma versão própria da história do agiota Abelardo 1º, novo-rico que, nos anos 1930, se envolve com uma família da elite falida de São Paulo em troca de status, e é consumido pelo próprio sistema que permitiu sua ascensão.

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Até que a produção se tornasse viável, com a aprovação do projeto em editais, veio a remontagem de Zé Celso, no ano passado, com o protagonista original, Renato Borghi – e também o ator Marcelo Drummond no mesmo papel -, agora em temporada no Rio. “Foi ótimo ter visto a versão do Zé. É icônico, histórico. Me deu alívio de não ter de fazer nada que fosse um arremedo, uma cópia. Era o que eu queria fazer”, diz Possolo. Na adaptação, o parlapatão condensou três atos em um e desconstruiu o texto, inserindo no início uma cena crucial da parte final da peça. Possolo também colocou Oswald em cena para conduzir a trama e dizer as rubricas (marcações de cena).

Na época em que foi escrita, O Rei da Vela refletia sobre as consequências da quebra da Bolsa de Valores quatro anos antes, em 1929. Emprestando dinheiro a juros altíssimos, Abelardo 1º tinha de lidar com clientes desesperados por não ter como liquidar as dívidas. Além disso, o agiota se aproveita da crise energética no País para fabricar velas – e daí vem a alcunha dele.

A atualidade do texto, tanto na primeira montagem, em plena ditadura, quanto agora, remete aos ciclos de crise que insistem em se repetir na história do País, inclusive no flerte com atitudes fascistas, representado pelo personagem Perdigoto (Alexandre Bamba), que quer dinheiro do noivo da prima para montar uma milícia armada.

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