Em tempos de ações que visam a retomada do crescimento econômico do País, as iniciativas locais do poder público e empresariado são de fundamental importância para obtenção de melhores resultados. E dentro desse cenário, Santo André está em pauta e pode ganhar um potencial centro logístico voltado para armazenagem e distribuição de cargas, por meio de integração entre o sistema viário e ferroviário, em área de proteção ambiental próxima à Vila de Paranapiacaba.
O projeto, orçado em R$ 780 milhões, da empresa Fazenda Campo Grande Empreendimentos e Participações, já tem pedido de licenciamento ambiental protocolado e trabalha para obter as autorizações necessárias emitidas pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Além disso, também está avalizado pela Luops (Lei de Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo), sancionada em dezembro de 2016. Enquanto isso, a empresa trabalha para obter algumas licenças junto ao órgão estadual (Prévia, Instalação e Operação). No meio do caminho também terá uma fase burocrática a ser superada na Prefeitura de Santo André. A expectativa é que o empreendimento comece a ser construído em 2024.
A área do futuro centro, composta por três glebas – que totalizam 468 hectares – está situada no entorno do Pátio Ferroviário Campo Grande, local estratégico que permite boa integração entre o Porto de Santos, São Paulo, Sorocaba, Campinas e São José dos Campos. Existe previsão de criação de 85 empregos diretos durante o período de obras e 1,2 mil durante a operação.
“Pela primeira vez em dezenas de anos a região tem possibilidade de ter essas ocupações regulamentadas em lei. Os estudos hoje estão bastante avançados e mostram que é uma ocupação muito adequada, porque atende a vocação histórica da região. E o que vínhamos propondo está de acordo, pois admite uso de logística”, justifica o sócio responsável pela empresa, Jael Rawet.
De acordo com o empresário e investidor de imóveis, a área em questão, adquirida há mais de 70 anos pela família, sempre teve histórico de respeito e foi preservada durante todo esse período. “Nós estamos propondo uma revolução, que pode trazer 1,2 mil empregos. É um projeto que tem uma estimativa de aumentar a arrecadação municipal em 5% com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)”, destaca, ao alegar que trabalha com a ideia do centro logístico há cinco anos.
O projeto, que prevê a construção de plataformas com galpões e área para contêineres, está dividido em três fases. A primeira atingirá 25% do projeto, a segunda 35% e a última os 40% restantes. A intenção do empresário é concluir o empreendimento em 20 anos a partir do início previsto para 2024, sendo 60% até 2034 e o restante (40%) até 2044. O uso comercial do espaço, no entanto, ainda dependerá da conclusão do licenciamento ambiental para depois ser desenvolvido um estudo econômico específico a respeito.
Área da intervenção – Pelo projeto, a empresa pretende utilizar 920 mil m² de área de implantação, sendo aproximadamente 300 mil m² voltados para galpões ou plataforma de depósitos (6,7% das áreas). “Grosso modo, da área total que nós temos, de cada 5m² de terreno, 4 m² vão ser preservados integralmente. E desses 20% que é a área de implantação do projeto, existe a compensação ambiental”, justifica Rawet ao lembrar que a motivação para elaboração do projeto se deu por conta de alguns fatores, como a exaustão do sistema ferroviário, com a necessidade do Ferroanel, bem como a maturidade das legislações.
A grande aposta da empresa é, justamente, resgatar o transporte de cargas ferroviário, por conta da saturação do sistema rodoviário. O executivo pretende tornar viável a interface da armazenagem logística com o transporte ferroviário, que pode ser mais eficiente, além de ser ecologicamente correto. “Embora a carga ferroviária responda por 22% do uso de transporte, só ocasiona 2% da poluição”, diz.
Gastos com projeto são da ordem de R$ 11,7 milhões
Desde quando o projeto começou, há cerca de cinco anos, a Fazenda Campo Grande Empreendimentos e Participações acumula gastos da ordem de R$ 11,7 milhões com estudos e projetos previstos para obtenção da Licença Prévia (em andamento) e da Licença de Instalação, que será a etapa seguinte. O valor representa aproximadamente 1,5% do montante previsto para o projeto como um todo (R$ 780 milhões). Os principais estudos realizados foram:
- Levantamento foto-aéreo, de perfilhamento do solo e cartográfico;
- Amplo estudo ambiental englobando, fauna, flora, qualidade do ar e demais temas relacionados.
- Análises e estudos do âmbito físico envolvendo os aspectos geológicos, vibração e som, qualidade das águas etc.
- Estudos relativos ao tráfego, envolvendo o diagnóstico, prognóstico, programas e planos necessários.
- Elaboração do projeto geral, envolvendo o master-plan, concepção dos núcleos, sistema viário, aspectos da implantação etc.
- Projeção dos ramais ferroviários de acesso aos núcleos de carga e descarga;
- Sistemas de captação, tratamento e abastecimento de água.
- Coleta e tratamento do esgoto, bem como destinação dos efluentes tratados.
- Estudos de macrodrenagem, concepção da rede águas pluviais e das caixas de detenção, estudos das travessias hídricas etc.
- Pesquisa de percepção realizada junto à população local.
- Analise dos aspectos socioeconômicos decorrentes da pesquisa e do empreendimento.
- Apresentação dos programas de mitigação, compensação, monitoramento e manejo, abrangendo os temas ambientais e, ainda, os relacionados ao tráfego e dos aspectos socioeconômicos.
Área foi adquirida pela família em 1944
A área pertencente à segunda geração da família do empresário Jael Rawet, no bairro Campo Grande, foi adquirida em 1944, com objetivo de alavancar oportunidade de negócio, já que está situada em frente a uma estrada de ferro. Na década de 1960 tentaram viabilizar a construção de uma cerâmica, mas o projeto foi inviabilizado por conta do local não contar com energia elétrica à época.
Anos depois, a família idealizou a construção de um empreendimento residencial ecológico, mas o projeto esbarrou na legislação local. Além disso, houve estudos para construção de um centro de tecnologia de indústrias não poluidoras e também se pensou em criação de peixes e camarão. Os projetos também se tornaram inviáveis por conta de restrições da legislação.
Construção traria danos, aponta ambientalista
A criação do centro logístico gerou divergências, especialmente com ambientalistas, a partir da convocação da empresa Fazenda Campo Grande para uma audiência pública, prevista para o dia 12 de abril, no Tênis Clube Santo André. Na oportunidade seria apresentado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA). No entanto, a plenária foi suspensa pelo Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), por 60 dias, uma semana antes da realização, no dia 5 de abril.
A suspensão atendeu pedido do Comugesan (Conselho Municipal de Gestão e Saneamento Ambiental de Santo André), formado por seis entidades andreenses, que tentam inviabilizar a instalação do centro em área da Mata Atlântica. No período, o grupo pretende fazer análise técnica e cuidadosa do EIA/RIMA.
De acordo com a docente Marta Marcondes, especialista em recursos hídricos e coordenadora do projeto Índice de Poluentes Hídricos (IPH), da USCS (Universidade de São Caetano do Sul), a construção acarretaria em danos imensuráveis para o meio ambiente e também afetaria aspectos sociais da população que vive no local. “Criamos o grupo SOS Paranapiacaba composto por vários técnicos que estudam as justificativas que constam no estudo. Não é só um risco ambiental, é social também”, afirma Marcondes. O grupo tem mais de 100 participantes, entre eles técnicos da USCS, integrantes da UFABC (Universidade Federal do ABC), membros da sociedade civil organizada e especialistas na fauna e flora. “O local está no Parque Estadual da Serra do Mar, em área das nascentes de Santo André. O que foi feito de legislação, fazem no apagar das luzes, literalmente. Querem apenas ganhar dinheiro até o momento em que não tivermos mais água”, reclama a ambientalista.
Prefeito Paulo Serra não vê objeção para empreendimento
O prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB), não mostrou objeções para instalação de um centro logístico próximo à região de Paranapiacaba, desde que seguida dentro da legalidade. O negócio, que prevê investimentos de aproximadamente R$ 780 milhões, imediatamente recebeu a oposição de ambientalistas. Entretanto, o parágrafo 3º do artigo 260 da Luops dá sinal verde ao centro logístico em região próxima à zona turística de Paranapiacaba. A legislação foi sancionada pelo ex-prefeito Carlos Grana (PT), 11 dias antes de encerrar o mandato no Paço.
“Como qualquer empreendimento, é preciso seguir a lei. A gente respeita os pensamentos e a lógica dos ambientalistas, mas eles também precisam seguir a legislação. O que a gente tem cuidado de perto é que nenhuma legislação seja desrespeitada. Agora, essa interpretação (dos ambientalistas) não pode ser impeditiva para o desenvolvimento econômico e geração de emprego”, avalia Serra sobre o tema.
Chama a atenção também que ambientalistas ouvidos pela RD em Revista atribuem a brecha na Luops à emenda do secretário municipal de Meio Ambiente, Donizeti Pereira (PV), quando era vereador no momento em que a legislação passou por votação no Legislativo. O verde foi anunciado por Serra como responsável pela Pasta em 16 de dezembro, oito dias depois de o Parlamento aprovar as normas.
Donizeti nega que tenha feito emenda especialmente focada no empreendimento. “Não era especifica sobre o centro logístico, mas sim sobre qualquer empreendimento, até mesmo um hotel. Até porque eu não tinha, na época, conhecimento do projeto e nem do tamanho, apenas ideia de que algumas empresas de transportes queriam se instalar por ali e a lei não permitia sequer a possibilidade”, pondera.
Luops – O verde, que na prática atualmente está restrito à articulação política entre o governo e o Legislativo, assegura que o Paço não dará aval a nenhum empreendimento que não obedeça ao casamento entre os interesses sociais, econômicos e ambientais. No entanto, o dispositivo presente na Luops, que dá aval ao negócio encabeçado pela Fazenda Campo Grande, é claro ao se referir especificamente a “empreendimentos de logística”. O empresário Jael Rawet defende a iniciativa, nega a possibilidade de prejuízo ambiental e admite que teve conversas com a Prefeitura para defender a viabilidade do empreendimento. A proposta, por ora, está sob avaliação da Cetesb. (Colaborou Bruno Coelho)