De acordo com o IBGE, ao menos 57 milhões de brasileiros possuem algum tipo de doença crônica e necessitam utilizar medicamentos de forma rotineira, muitos deles de alto custo. Embora o número seja alto, a única farmácia do segmento, no Hospital Mário Covas, em Santo André, continua sendo alvo de denúncias pelos pacientes do ABC, por conta de vários itens em falta no estoque. Além disso, em vários casos, de acordo com relatos, as filas de espera chegam a passar de quatro horas para consolidar o atendimento.
A falta de abastecimento afetou Lucas Gomes, de 12 anos, que precisa do medicamento injetável Somatropina para tratamento hormonal de crescimento. Sua mãe Elisabete Gomes de Oliveira Araújo, esteve no hospital em janeiro para retirar o item, mas não conseguiu. No começo de fevereiro retornou e novamente voltou para casa de mãos abanando. “Não tem nem previsão de quando vai chegar e meu filho precisa tomar esse remédio, se acabar é uma regressão no tratamento”, reclama indignada.
O mesmo acontece com Maria José Nunes Bezerra, que esteve no local em dezembro do ano passado para retirar o Alenia, indicado para o tratamento de asma, porém até agora não conseguiu. “Estamos tendo que tirar do bolso para pagar algo que é de obrigação do Estado fornecer aos pacientes”, reclama.
Girlene Piauilino Almeida Rocha, também esteve no Mário Covas e voltou de mãos vazias, após tentar retirar o CHRON-ASA 5 (Mesalazina) 800, para tratamento de uma Reticulite Ulcerativa. Além destes, o RD registrou relatos de falta de outros itens como o colírio Tartarato Brimonidina 0,2%, colírio Bimatoprosta 0,3%, Xalatan, Seretide 50mg/250mg e o Spiriva 2,5 mcg.
Descentralização
Devido à insatisfação dos pacientes da região, o projeto do Consórcio Intermunicipal Grande ABC para a descentralização da Farmácia de Alto Custo do Hospital Mário Covas, idealizado há mais de três anos, ainda não saiu do papel. A ideia original seria desafogar o atendimento do equipamento público e oferecer aos usuários ações imediatas de distribuição de medicamento entre os municípios da região.
Procurado pela equipe do Repórter Diário, a entidade regional informou que a atual gestão do colegiado retomou, no primeiro semestre de 2017, a discussão sobre a distribuição dos medicamentos. Para viabilizar a demanda, reivindicada há anos pela população, o Grupo de Trabalho (GT) Saúde analisou a questão e apresentou duas propostas. Em uma delas, com logística mensal, os municípios receberiam os medicamentos em centros de distribuição determinados. Nesta proposição, os municípios solicitariam subsídio estadual para custeio de despesas de armazenagem, logística e segurança.
Em outra proposta, com logística diária, cada cidade receberia pacotes de medicamentos provenientes da central de distribuição estadual, separados por paciente, e se encarregaria da entrega individualizada aos munícipes. O GT então solicitou ao Departamento Regional de Saúde 1 da Secretaria Estadual de Saúde (DRS-1) oficialmente os dados para avaliação econômico-financeira das propostas apresentadas, mas até o momento não obteve resposta.
Com objetivo de destravar a questão e viabilizar a distribuição descentralizada de medicamentos de alto custo na região, os prefeitos do ABC aprovaram neste ano nova proposição para a entrega dos remédios. Em assembleia realizada em janeiro, os chefes dos Executivos municipais aprovaram uma proposta para que a retirada dos medicamentos seja realizada em unidades do Poupatempo instaladas na região e no Atende Fácil, no caso de São Caetano. A proposta foi encaminhada oficialmente ao Governo do Estado e aguarda resposta.
Procurada pela equipe do RD, a Secretaria de Saúde do Estado informou que os medicamentos Tacrolimo e Micofenolato de Sódio são adquiridos e distribuídos aos estados pelo Ministério da Saúde. Porém, o governo federal tem feito entregas parciais para atendimento aos pacientes no primeiro trimestre de 2018, impactando na redistribuição do remédio pelas farmácias de alto custo. A Pasta alega ter cobrado reiteradamente o MS e está concentrando esforços para atender os usuários, por meio de remanejamentos, por exemplo. Embora a legislação estipulasse que a entrega total dos itens deveria ocorrer até 20 de dezembro, ainda está pendente a entrega de 190 mil comprimidos do Micofenolato de 360mg, por exemplo. O Tacrolimo 1mg foi entregue dias atrás e as farmácias já estão abastecidas.
No caso dos medicamentos utilizados pelos pacientes Luiz Diogo Neto, Girlene Piauilino Almeida Rocha, Maria José Nunes Bezerra e Lucas Oliveira Araújo informa que já foram adquiridos e a previsão é que estejam disponíveis até a próxima semana na farmácia do Hospital Mário Covas.
Cabe esclarecer que o SUS (Sistema Único de Saúde) distribui mais de 1.000 tipos de medicamentos em diferentes apresentações no Estado de São Paulo. Para atender os pacientes cadastrados no programa de Medicamentos Especializados (Alto Custo) em todo o Estado, a pasta estadual realiza planejamento periódico dos estoques, com base no consumo e mais uma margem de segurança para garantir que a unidade tenha estoque até que seja abastecida pela próxima compra. Mas, alguns fatores, alheios ao planejamento da pasta, podem ocasionar desabastecimentos temporários, como aumento inesperado de demanda (acima da margem de segurança prevista), atraso por parte do fornecedor, logística de distribuição do Ministério da Saúde, pregões “vazios” (quando nenhuma empresa oferta o medicamento) ou pregões “fracassados” (quando as empresas estabelecem preços acima da média de mercado, o que inviabiliza legalmente a aquisição).